Língua e literatura na era eletrônica.

 

A linguagem surgiu, cresceu e evoluiu com o homem, é viva por nós, e por nós muda e evolui, é ferramenta para um fim, não vive por si mas vive para nós. É importante pensar a língua, seus usos e sua capacidade, mas infelizmente muita mudança não é feita de forma racional, e sem que queiramos ou nos damos conta existem certos consensos no uso da língua que espalham e contaminam sem que sejam pensados ou benéficos. É inegável a influência do suporte na forma da língua e sua capacidade de comunicação, imaginem se ainda usássemos “tablets” de argila para escrever caracteres cuneiformes, grande parte da evolução social que conhecemos nunca aconteceria, como seria carregar um livro de oitocentas páginas de argila? O livro deixou o papel e agora é mais leve e prático no meio eletrônico, é inegável que haverá mudanças, mas cabe a nós verificar a verdadeira capacidade do meio digital para que a língua e literatura cresçam e não diminuam perante o passado que já tivemos.

Por falta de pensar a língua está espalhando-se uma versão capenga e mutilada que diz-se dominante por pura ignorância, ela é a versão contida nos manuais de redação e (falta de) estilo. As frases complexas compostas por subordinativos ou coordenativos, as vírgulas e definitivamente os ponto e vírgula, são recursos proscritos, e isso quando pretende-se comunicar assuntos complexos que tem diversas instâncias e vários níveis de hierarquia impossibilita a composição textual; desta maneira, o texto escrito que tem a propriedade de educar, pois pode conter assuntos em profundidade é sabotado, permitindo em sua versão mutilada expressar apenas assuntos simples ou a simplicidade leviana que mediocriza os assuntos complexos impedindo definitivamente qualquer possibilidade de real compreensão. O uso desta língua deturpada que já é norma em jornais e revistas de grande circulação tem dois efeitos: o primeiro é tornar levianos todos os assuntos que aborda uma vez que não pode aprofundar-se, antigamente liam jornais as pessoas que queriam ter um conhecimento mais profundo, hoje o conteúdo de jornais e telejornais é idêntico, com vantagens ao telejornal por ser mais rápido e atualizado; o segundo efeito diz respeito à educação do leitor, antes o jornal era uma iniciação do leitor na escrita complexa, assim ao encarar um texto de Machado de Assis o fosso não é tão grande, mas hoje com a escrita pobre dominando tudo, o leitor só encontrará alguma dificuldade nos livros, e a tarefa pode ser tão desafiadora que fará um leitor muito primário desistir. Evitar o uso da língua aleijada é uma espécie de “pièce de résistance” para não sucumbir à mediocridade geral, pode não parecer, mas muita gente bem educada e de vasta cultura, ao ler em computadores e tablets, sem perceber acabada desistindo ao meio de um texto mais exigente por cansaço, não percebem que é o meio que induz a esta imbecilidade programada; computadores e tablets não se prestam a literaturas complexas, não permitem atingir o nível de concentração necessário para decodificar estes textos, e assim, sem sequer perceber o leitor torna-se mais burro, incapaz. Talvez por isso muitos mantenham o hábito do papel, como nunca entenderam no meio eletrônico a diferença fundamental do e-reader e-ink para as outras mídias.

Existe um consenso dominante errado de que o leitor não deve ser desafiado, muito disto vem do reino da propaganda, onde um texto deve atingir o maior público possível, isto talvez o valha para quem quer vender limpadores de privada, mas é um tipo de texto que menospreza o leitor, pois considera o menor denominador comum e assim diminui o padrão de toda leitura, mas escrever é comunica-se, e dependendo do assunto, a quem se dirige o texto ou sua função, esta simplificação obrigatória é simplesmente ridícula; com isso o texto perde a função de educar o leitor, expandir seus horizontes e a capacidade de articulação lógica. As pessoas não percebem o quanto este uso de textos obrigatoriamente simplificados é degradante para a leitura, para os assuntos tratados e para o próprio poder de raciocínio. É um verdadeiro veneno que extermina todos os níveis da cultura.

Aprender e desenvolver-se exige esforço por parte do leitor, não é possível ensinar sem desafiar o leitor, esforço não é necessariamente uma coisa ruim, muito ao contrário, assim como aprender, mas nos focamos em tamanha passividade por parte de leitores que cobrar um mínimo de esforço parece heresia, há esforço prazeroso, há desafios que trazem recompensa, e o aprendizado é um deles. Desta maneira em vez de escrever para aqueles que são tão vagabundos que abandonam um texto a meio caso este lhes ofereça qualquer desafio, o melhor é focar nos objetivos mais altos, pois quem ler o texto sai ganhando e temos leitores que valem a pena. E aí vem um imbecilzinho preguiçoso nos acusar de elitistas por não sermos condescendentes e desprezarmos a capacidade cognitiva de nossos leitores, oferecendo-lhes um texto que ao desafia-los os fará crescer; cabe aqui acabarmos esta mistificação grosseira: procure por aí os textos dos fabricantes de relógios que custam o preço de carros e carros que custam o preço de casas, verá que quem evidentemente produz itens para uma elite que pode dar-se ao luxo de pagar por objetos de status não usa textos complexos, muito ao contrário, são simplórios, portanto, onde está o tal texto “elitista”? Tudo isso para mascarar que a grande cultura humana hoje está gratuita a quem dispuser-se a ler, se a dois séculos foi um item de diferenciação de classes por conta do acesso restrito, hoje não é mais, assim acusar de elitista é imbecilidade a não ser que se refira a uma elite pensante, mas pensar ainda é de graça. Muito do que pensam é errado, escrever usando todo o potencial da língua não é um fator de exclusão, muito ao contrário, é a verdadeira inclusão, mas o leitor precisa fazer o esforço de desafiar-se para ser incluído. Um texto ruim exclui sem possibilidade oposta, pois mesmo que o leitor suceda na leitura está excluído, pois nunca oferece a oportunidade de crescimento.

Até aqui falei apenas de textos predominantes em jornais e revistas que ao optarem pela simplificação da língua perdem sua capacidade de tratar de assuntos com a complexidade merecida e assim falham em informar corretamente e formar o leitor. Mas e a literatura? Aí o caso é ainda mais grave: literatura antes de mais nada é arte, diria ainda uma das mais difíceis pois não tem guias, o artista que enveredar por esta modalidade terá que criar seu próprio caminho, as regras da gramática são paupérrimas perto de toda diversidade encontrada na literatura, que às vezes a desafia frontalmente e sai ganhando esplendorosa. Literatura aprende-se lendo, é uma vivência, só se aprende fazendo, não adianta, não existe outro caminho, e justamente por este particular fabricamos monstros estranhos: pegue um garoto nos seus dezessete anos e o enfie em um curso de letras, qual sua vivência como leitor? A maioria nenhuma, e aí o encha de livros aos quais deverá fazer uma “leitura técnica” como preconizam seus mestres, o garoto que não viveu a literatura agora vai ver o texto de forma mecânica ou ideológica, resultado depois de quatro anos de faculdade: alguém que não lê mais por prazer pois não teve tempo, quatro anos é muito pouco para tantos livros, mas ganhou o título de especialista em literatura. Especialista em quê, se não teve tempo de ler? Esse garoto agora com uns vinte e um anos vai ensinar língua e literatura… Já viram o desastre, não? É o que vemos hoje, mas tem lados piores, o rapaz em vez de ensinar nas escolas escolhe a vida acadêmica e vai ser um crítico literário: o pobre menino que não teve sua vivência com os livros vai agora falar sobre livros, não do ponto de vista do leitor, mas com os estudos acadêmicos que não interessam a ninguém que não sejam seus pares; resultado: ao encontrar o livro bem escrito mas sem experimentalismos inúteis vai logo taxa-lo de: “romanesco” em tom pejorativo, e se lhe cair em mãos um texto de Machado sem a assinatura do autor dirá que não é grande coisa, mas irá elogiar vilipendiando os adjetivos quando encontrar um texto experimental e ruim que não diz nada, não quer dizer nada, nem pode ser compreendido, o ápice do nada com a coisa nenhuma, a arte do nada!

A grande estupidez no meio acadêmico ou pseudo-acadêmico, é que não conseguem mensurar a extensão de sua ignorância, criando um universo analítico que tal como a taxonomia vê o livro não como vivo, mas como peça morta a ser dissecada, a verdade é que o todo é maior que as partes; leia uma análise semiológica, ela parece com um livro da mesma maneira que a descrição taxonômica de um gato parece com o animal vivo, a academia é muito boa em guardar o passado, mas inútil na criação artística. O viés cientificista é a causa desta cegueira, primeiro e mais importante: cientificismo não é ciência, é seu uso ignorante, pois a ciência dá conta do que são as coisas. A ciência observa o que é, a arte cria o que será; ciência é observação, arte criação. Desta maneira um acadêmico ao taxar algo de romanesco repete os mesmos preconceitos dos românticos ao criticar a literatura clássica, o modernismo ficou velho e o pós-modernismo ao desvencilhar-se da estética trouxe um viés ideológico que fez da não arte uma arte, assim tudo passa a ser arte e ao mesmo tempo nada mais é, não existe arte pós-modernista, pois criou-se uma falta de conceito, cabe ao observador ou leitor ter conceitos e decidir o que é arte, pós-modernismo em essência é o sofismo moderno, o discurso vazio, o relativismo, e ninguém representa melhor isso que o meio acadêmico, pois o que era para ser o ápice do conhecimento tornou-se uma panelinha de relativistas inúteis, apodrecidos e preocupados apenas com seus próprios salários em vez de seus objetos de estudo.

A maior prova da impotência acadêmica na literatura é que a maioria dos bons escritores não vem de seus quadros, um leitor bronco mas não ignorante como o Faulkner é infinitamente mais capaz que a maioria acadêmica, é da realidade da escrita e da leitura. Escrever é a arte do ilusionismo com palavras, o leitor percebe o efeito mas não vê a mecânica, que na realidade é um conjunto de truques simples, por isso a maioria dos escritores não fala dos próprios escritos, por isso que não há manual. O escritor é um mágico que não gosta de revelar seus truques. Antes de estudar a literatura como um peixe morto é necessária vivência, deixar-se maravilhar com os truques dos vários autores, ver o texto vivo antes de partir para a dissecção, por isso criamos monstros deformados, os estudiosos nunca foram leitores, e sem ler não vêem o efeito das ilusões que formam o cerne da criação literária; o leitor vê o efeito sem conhecer o truque, o acadêmico procura o truque sem saber qual é o efeito. E assim criou-se todas essas distorções que vemos por aí, gente que louva textos ineficientes, sem efeito, trejeitosos e inúteis. Assim prospera uma literatura contemporânea estéril, inútil e enfadonha, que não cativa leitores nem cria nada de bom. Aposto mais na literatura taxada pejorativamente de entretenimento, pois há mais chances de ver real arte aí do que no lixo propagandeado pela crítica acadêmica.

Voltemos novamente ao meio, talvez por conta da influência de jornais e revistas ou pela escrita pobre de massa dos textos de propaganda, gerou-se um consenso não pensado onde o meio eletrônico só comporta textos curtos e linguagem simplória, lógico que em serviços como o twitter que limita as mensagens a grunhidos de poucos caracteres, é impossível, mas não é a realidade eletrônica, aliás, muito ao contrário, antes um livro de muitas páginas era difícil de ser impresso pois custava mais, livros comerciais eram sempre limitados a duzentas ou trezentas páginas, mais que isso só se já fosse um “bestseller” de venda garantida, caso contrário a publicação seria muito cara, no meio eletrônico não existe esta diferença, um ebook pode ter qualquer extensão que é replicado com o mesmo custo, isso é um ganho! Uma expansão da capacidade que tínhamos antes. Um texto de internet deve ser curto e de linguagem simples para que os leitores não desistam, por que focar-se em escrever um texto para quem não lê em vez de fazer ao contrário, escrever para os que lêem, tem capacidade ou não tem preguiça? Se não se está vendendo porcaria, mas se quer ter um diálogo de alto nível, não faz sentido escrever para os idiotas que não lêem. A língua em nosso cotidiano tem também a função de formar as estruturas lógicas do pensamento humano, foi analisando a conversa de crianças que Piaget percebeu que a estrutura lógica da língua induz ao pensamento complexo, se em crianças de seis anos as formulações lógicas são menos freqüentes e muitas vezes inconscientes, em garotos maiores há mais freqüência no uso lógico da língua, e sem esta vivência não há o desenvolvimento mental. Ao aleijar a língua evitamos que as pessoas treinem o intelecto e impossibilitamos o surgimento dos raciocínios complexos. O uso pobre da língua inviabiliza o pensamento complexo e mais que um estilo ou moda, induz à pobreza de pensamento, e isso reflete-se em toda cultura e vida social, é por este motivo que as visões dicotômicas e ignorantes imperam em nossa sociedade, pois qualquer complexidade além da imbecilidade binária, não tem capacidade de ser processada, todo assunto complexo que envolve mais de dois lados torna-se um problema insolúvel. Veja o uso de uma dessas simplificações ignorantes: em uma democracia todos temos direito à voz, liberdade de expressão, assim todos temos direito a uma opinião, seja ela verdade ou mentira, certa ou errada, mas tende-se a usar o “direito à opinião” como justificativa para cassar o direito de expressão do outro no caso de que discorde de nossa opinião, assim como alguém tem direito a dar uma opinião, esta opinião não impede o outro de manifestar-se contra, pois ele tem a mesma liberdade de expressão; é assim que funciona a argumentação, uma opinião recebe uma contra-opinião, um argumento recebe um contra-argumento, esta é a liberdade democrática. Quem não gosta de argumentação pois tem argumentos ruins tende a querer usar a opinião como direito de caçar a liberdade de expressão. Complicado? Não muito, mas é mais simplório dizer que “todos tem direito a uma opinião”, que é uma simplificação grosseira e que esconde a realidade do direito democrático.

Literatura é tudo menos simples, muito ao contrário, é justamente a diversidade e sua complexidade que faz sua riqueza, assim, veja como esta estrutura lingüística mutilada é derrogatória da apreciação artística da literatura que não cabe em qualquer dicotomia imbecilizante, um Hemingway não está acima de um Shakespeare, nem abaixo; é a existência de Faulkner, Cervantes, Goethe, Virginia Woolf, Defoe, Chaucer, Sterne, Conrad, Byron, Yates, Shelley, Walt Whitman, Chekov, Machado, Kafka entre muitos que faz da literatura a potência que é. E nenhum autor é uma unanimidade, veja Joyce em Ulysses e em Finnegans Wake, o primeiro foi ao limite, o segundo passou do limite, criou uma obra mutilada que perdeu o foco do leitor e empobreceu-se na língua, a soma de suas partes ficou menor que o todo. Imagine o quanto deste universo o garotinho estudante de letras já teve tempo de apreciar, quase nada, não há curso de quatro anos que substitua uma vida de leitura. Por isso a impotência acadêmica na literatura é tão gritante.

Ler, como tudo que vale a pena na vida, exige certo esforço, fazer um texto para preguiçosos que não querem ter o mínimo de esforço é escrever inutilidades, banalidades nunca farão ninguém crescer, cada grande autor criou o seu jeito de escrever, não é só questão de estilo, pois bom ou ruim todos tem um, o escritor artista criou um jeito que funciona, expande as possibilidades da linguagem para contar suas estórias, por isso cada novo autor é um novo aprendizado, um novo esforço e um novo universo expressivo, é assim que se cresce. Quem não consegue ler um bom autor confunde o ruim com o bom, não tem capacidade de diferenciar um do outro, por isso a literatura contemporânea é tão cheia de embusteiros, escritores incompetentes que mascaram sua ruindade com experimentalismo vazio.

O meio eletrônico traz novas possibilidades para a literatura, é preciso ver sua real capacidade e descartar os consensos ignorantes que mutilam a língua e os seres humanos, a literatura será o que faremos dela, é preciso conhecer a arte dos grandes homens, por prazer, criando assim a apreciação artística e o domínio da língua, seja no papel ou no e-reader e-ink mais acessível e democrático; depois de viver ler é a experiência mais próxima, vivemos uma vida, mas através da literatura vivemos milhares.

Alex

A revolução cultural do e-reader.

Para aqueles que já viveram um pouco mais, ainda tem memória e relembram o passado, a tecnologia invariavelmente mudou nossa rotina, telefonia móvel era coisa de super espião, escondida nos sapatofones; você retirava dinheiro na sua agência bancária, onde a caixa podia pegar o cheque e conferir sua assinatura com a de uma ficha; escrevíamos cartas para falar com nossos entes distantes, colocávamos em um envelope lacrado e com um selo colado, para indicar que pagamos a taxa de seu transporte, e lá ia por mar e terra até semanas ou meses depois chegar a seu destino; diante de tudo isso o e-reader é apenas mais uma, e em vez de esperar que um livro seja impresso, distribuído atravessando mar e terra, adquirido na livraria, só para depois ser lido, compramos ou baixamos da internet de forma instantânea, às vezes até diretamente do próprio autor sem intermediários; ninguém reclama de precisar de um computador, celular ou tablet para ler e-mails, não vi ainda ninguém reclamar que sente falta do cheiro do papel ou do perfume e da demora em chegar das cartas, e-mail é simplesmente mais prático, e mesmo quem queira escrever como se escrevia nas cartas, o e-mail aceita, mas não sei por qual ironia do destino a escrita das cartas condensou-se ao imediatismo do telegrama, que era contado por palavras para ter o seu valor, hoje um texto grande ou pequeno custa o mesmo no e-mail, e chega igualmente rápido. Sinceramente, não vi qualquer movimento contra e-mails, celulares, cartões de banco e todo o resto, mas o e-reader é tabu, fere uma lógica de materialismo do conhecimento, traz um acesso nunca antes imaginado aos conteúdos culturais, adotar um e-reader não é questão de ideologia, ele é simplesmente mais prático e igualmente confortável, como o livro de papel, a literatura nada perde, a cultura nada perde, muito ao contrário, ganha.

Deve-se perguntar o que o e-reader muda para entender o motivo de ser tão combatido, e muda apenas uma coisa, torna o livro acessível! Ninguém teve problemas com a leitura em tela de computador pois ela é impraticável, pode ser feito, mas é um suplício, tablets também não são tão combatidos, eles fazem outras coisas além de ler, e funcionam mal para leitura! Tudo que o e-reader faz é servir para ler muito bem, e justamente por isso é tão combatido, ele é o livro, todos os livros, que gradualmente eram suprimidos de sua importância e vida social. O modernismo acéfalo desprezou a cultura, e essa parte podre do modernismo é a única representada no que chamam pós-modernismo, uma literatura que guia-se pela ignorância e imbecilidade, o historicismo criando seus frutos de mediocridade, seus dogmas mais rígidos que os antigos. O acesso irrestrito ao conhecimento aos poucos está desmascarando as fraudes, aqueles que se diziam sábios, mas não são; os Anytus e Meletus encarregam-se de acusar este simples aparelhinho de blasfêmia, e apesar de ser capaz de carregar cultura, conhecimento e literatura, muitas de qualidade e gratuitas, pode corromper os jovens. Seus acusadores pedem a morte, pois é justamente a cultura antiga e desprezada pela parte podre do modernismo que está gratuita, livre de acesso pago que restringe seu conhecimento aos de posses. As máscaras caem, sábios mostram-se tolos, professores doutrinadores e humanistas monstros que odeiam e querem a destruição de tudo que existe de bom e nobre na alma humana.

Ao mesmo tempo que a falta de acesso a livros era uma barreira, também é uma boa desculpa para os que escolheram a ignorância e uma boa defesa a quem escolheu falsificar a sapiência. Eis que com a queda das barreiras o homem inferior não tem mais esconderijo, aquele que não encara um texto mais longo mostra seus aleijões intelectuais auto-impostos, é um deformado por escolha, um jumento de profissão. Cabe agora uma boa revolução cultural, aquela que sob este nome queimou livros e pessoas, pois estes tinham a verdade: “queimem o e-reader! Acabem com este aparelho profano!”, dizem, pois mostra que sob a bandeira da grande bondade encontra-se apenas perfídia e maldade. “Aparelhinho herege”.

As coisas mudam, a sociedade muda, mas a alma humana muito pouco, menos ainda nossos genes, a civilização mudou mais rápido que o conteúdo do núcleo celular, programado para a terra selvagem. Quem prega o futuro sem passado advoga pela destruição do homem, a cultura sem passado é apenas ignorância, irrelevância. De pequenas tribos nômades para mega-sociedades complexas algo mudou, não nossos genes, que foram programados para viver em grupos pequenos, mas à sua revelia vivem em sociedades ultra complexas em constante mudança. Se não há herança genética que de conta do recado, há a herança cultural, é ela que nos situa neste clima inóspito a nossos corpos e mentes, é ela que tenta formatar esta realidade ao contorno minimamente humano.

Política é fundamentalmente a interação do homem com outros homens, e isso dá-se naturalmente, tanto que a palavra veio das cidades antigas que congregavam pessoas, pois política, queira ou não é o que todos fazemos, mas na polis ateniense cada cidadão tinha sua voz, nem todos eram cidadãos, mulheres e escravos nem eram considerados; foi aí que nasceu o embrião democrático, diferente de como organizou-se a oligarquia espartana. A política ateniense era praticada por todos os cidadãos na forma da argumentação, tanto que professores eram contratados para educar o povo, os primeiros classe média “assalariados”, que não tinham terras nem posses mas tinham conhecimento, e é isso que comerciavam, e como hoje, existiam os grandes como Sócrates e os medíocres denominados genericamente sofistas, que em vez de entrar no diálogo frontal e livre de subterfúgios, construíram diversas armadilhas dialéticas com o intuído de fugir à argumentação objetiva. Bom, para ser exato Sócrates nem poderia ser um “professor” pois tinha lá suas poucas posses, mas era um velho feio e chato que andava a questionar as pessoas e atrair aos jovens com seus ensinamentos, não era exatamente um sofista, mas eles o consideravam um concorrente, e o cara era bom, por isso o odiavam, tanto que “democraticamente” tramaram a sua morte ou exílio, creio que os sofistas não podiam votar pois nem eram atenienses, mas influenciavam os votantes, eram seus professores. É interessante notar que foi já nessa época que surgiu a figura do demagogo, que falava o que o povo queria ouvir e usava este poder na assembléia para assumir o poder e governar de forma ditatorial, aqueles que usam a democracia contra a própria democracia, parece-lhe familiar? Abra os jornais de hoje…  Os atenienses cresceram nas artes, nas ciências, pois são disciplinas que florescem da livre circulação de idéias, já Esparta fortificou-se na arte da guerra, pois soldados bem treinados e ignorantes é tudo que a destruição precisa. Esparta ganhou a guerra, mas o espírito de Atenas vive até hoje.

Dizem que no início da formação das assembléias Atenas tinha cerca de quatrocentas mil pessoas, sendo que destes uns noventa mil eram considerados cidadãos com direito de voz e voto nas assembléias, estabeleceu-se a igualdade perante às leis e o direito à fala de todos, as assembléias aconteciam mensalmente e precisava de um quorum mínimo de seis mil cidadãos educados. A educação era necessária, como alguém poderia debater na assembléia sem educação, sem saber do que se fala, sem saber como falar? É educação parte fundamental da democracia, e se esta aparente divergência de opiniões pesou para o lado de Esparta e a liga do peloponeso, foi também ela a fonte da resistência ao governo tirânico imposto pelos conquistadores, mesmo que sem o antigo esplendor, práticas democráticas voltaram a ser utilizadas.

A antiga Atenas com todo seu esplendor tinha apenas quatrocentas mil pessoas, cerca da metade eram estrangeiros residentes, outro quarto mulheres sem direito a voto e noventa mil eleitores, legisladores e oradores. São Paulo tem quase doze milhões de pessoas, e o Brasil quase duzentos milhões, será que temos uma sociedade mais complexa do que Atenas? Por óbvio que sim, e exercer a democracia em um meio social tão complexo exige muito mais educação. Geneticamente o homem foi programado para interagir politicamente com quem ele encontra-se, que eram as pessoas de seu grupo, pessoas que vê todo dia e conhece, mas estas mega-sociedades pedem que o morador do Oiapoque opine sobre a vida do cidadão do Chuí, distando mais de quatro mil quilômetros um do outro, e todas as cidades no meio; isso só para dar a dimensão do problema. A democracia é o único sistema que permite a auto-crítica e o aperfeiçoamento, nossa democracia não é a mesma de Atenas, nem a mesma de outros países contemporâneos, inclusive uns até tem a cara de pau de chamar a mais nojenta ditadura de democracia. Democracia por não estar codificada nos genes necessita de educação, ninguém nasce democrático, aprende, e aprende pois é a maneira que melhor encontramos para dirimir os conflitos, democracia não é um dogma rígido, e qualquer um que queira impor democracia como dogma fechado é por natureza um não democrata; esta mutabilidade que permite o aperfeiçoamento torna ainda mais exigente o nível educacional para viver em uma sociedade democrática, pois sob este manto também vivem os piores ditadores, cabe ao cidadão o discernimento para diferenciar um de outro e evitar a praga dos demagogos.

De todas as pragas que empesteiam as culturas democráticas, hoje temos mais uma, que é a democracia representativa, pois os representantes não representam ninguém além de seus próprios umbigos, são todos demagogos por natureza e hipócritas, mentem desavergonhadamente em suas campanhas eleitorais e o povo que lhe emprestou o voto não pode tirar quando traído, se existe uma democracia representativa, quando representantes não representam não há democracia! E na próxima legislatura, mesmo que os antigos hipócritas não sejam votados, novos assumem os cargos e novamente mentem e o povo não tem como retirar a confiança do voto que foi quebrada. Se queremos democracia de verdade, no momento exato em que um político profissional quebra sua promessa com o cidadão, é necessário que o cidadão possa retirar o voto, pois este não mais o representa, e já temos condições de fazer isso! A tecnologia já permite, é só querer, pois a nossa democracia virou a mais pura demagogia.

Democracia precisa de educação, educação precisa de argumentação, e argumentação necessita da liberdade de expressão para que todos os argumentos tenham chance de aparecer; sociedades complexas precisam de educação e argumentação capaz de lidar com todos os múltiplos aspectos da vida em sociedade. Há espaço na rua para esta argumentação ocorrer? Não! Por maior que seja o movimento ele não reúne qualquer porcentagem significativa de uma mega-sociedade, e o que é pior, não há espaço para a argumentação complexa, você pode gritar umas palavras de ordem, umas palavrinhas em um cartaz, mas isso não dá conta de qualquer argumentação de base lógica, muito menos as complexas. Há toda uma mística da voz das ruas, aparece na TV, mas democraticamente falando representam apenas o peido da mosca do cavalo do bandido, é apenas uma violência, mostrar que uma pequena parcela do povo tem condições de ir às vias de fato. Hoje a verdadeira manifestação democrática encontra-se na internet, é aqui que temos condições de desenvolver temas complexos sem ser obrigados à leviandade que sempre produz distorções grosseiras e ignorância. Parte da vida social hoje acontece na internet, e ela é um meio mais capaz de conduzir uma argumentação em mega-sociedades.

Como vocês viram na Grécia antiga os demagogos usavam a democracia para impor a ditadura, mas a fundação democrática, ou a possibilidade de pessoas com idéias divergentes viverem em paz formou a base de um sistema político que permitiu o crescimento dos estados, isso culminou com o império romano. Antes os vencidos na guerra eram aniquilados, sua cultura destruída e seus costumes proscritos, gerando muita revolta, em dado momento grandes impérios implodiam por conflitos internos, Alexandre muito bem instruído percebeu essa força e o império macedônico tornou-se o maior de seu tempo. Os herdeiros do filho da loba, ao deporem sua monarquia, além do conceito de democracia criaram a cultura da “res publica” que mais que a vontade do cidadão, disciplinam como um governo deve agir para o bem do povo. Funcionou em parte, mas, lembra dos demagogos, aqueles que usavam da democracia para instituir a ditadura, também estavam presentes cuidando para que a república romana virasse o império romano. Roma também precisava de educação, informação, discute-se ainda hoje as causas da queda do império, e muitos creditam exclusivamente às invasões bárbaras, como meus antigos e míopes livros de história da era do colégio, mas foi um processo mais longo e lento de degradação das instituições, os bárbaros apenas deram a machadada final. Nas estradas é que circulava o conhecimento e a estrutura de Roma, as estradas eram a internet do império romano, a desestabilização da rede de estradas acabou de vez com as instituições, e assim tiranetes locais e usurpadores bárbaros, além de esfacelar o império, regrediram a humanidade literalmente à barbárie. Toda esta horda de ditadores e seus familiares formou o que no futuro chamou-se aristocracia moderna. A igreja ajudou a consolidar o poder desta aristocracia creditando-lhes um direito divido à tirania, aristocracia significa “os melhores” na acepção dos gregos, estes tais melhores o eram por direito de nascença, por direito divino, não eram confrontados, não podiam ser desafiados.

Democracia precisa de liberdade de expressão, vem antes do voto, pois seu cerne é a argumentação, que só acontece em terrenos verdadeiros se há liberdade, veja os supostos “melhores”, os aristocratas, além de impedirem a educação para o povo, nunca podiam ser confrontados por não aristocratas, uma fuga clara da argumentação honesta. Como é a argumentação que fomenta a educação de verdade e o avanço do conhecimento, com um ente pregador dogmático que não favorece a livre expressão, a deterioração das estradas e aristocráticos tiranetes que escravizam o povo em seus feudos, as idéias gregas foram esquecidas, desapareceram do imaginário popular e assim amargamos um milênio negro. O fim da escuridão veio com uma tecnologia que tornava o conhecimento mais acessível: a prensa de Gutenberg, foi com ela que as idéias gregas voltaram a circular, mas muitos não gostaram, e por mais que os livros ainda fossem caros, uma pequena burguesia composta de plebeus comerciantes e artesãos começou a desafiar a aristocracia imposta e com suas posses adquirir conhecimento.

Note que a aristocracia era definida por uma linhagem sanguínea, um plebeu, mesmo rico, nunca poderia ser um aristocrata, foi a educação de verdade que fez a diferença, a burguesia “ascendeu de classe”, apesar da aristocracia considerar-se um clube fechado, que por ironia do destino veio a apodrecer seus genes com excessivos casamentos consangüíneos. A genética aristocrata é hoje cheia de bombas genéticas, inferior à plebe que não limitou seus genes.

Rousseau apregoou os vícios dos aristocratas e da burguesia, mas creditou-os à educação. Que estupidez! Mas muitos inspiraram-se em seus escritos, os que sentavam-se à esquerda do presidente do parlamento francês, era uma briga por poder, e é necessário notar que do lado esquerdo também sentavam-se republicanos. Parte dos assentos da esquerda era dos socialistas, que pautados pela existência das classes sociais, pregaram sua destruição através de um regime em que, em teoria, todos seriam iguais, aliás, mais iguais, seriam todos obrigados a ser idênticos, negando a realidade diversa da própria raça humana, isso tornou-se uma ideologia, algo que não pode ser contestado, a mesma semente de ignorância que criou a aristocracia. À direita no parlamento sentavam os apoiadores das maneiras tradicionais, onde o anti-argumento era simplesmente: “se sempre foi feito assim, assim deve ser feito”, sem questionamentos, mais uma corrente da ignorância, aliados a eles estava a igreja, mais que costumes tinham um dogma bem desenvolvido, não se questiona um dogma. É preciso salientar que a constituição que norteava a república romana não constituía leis escritas, mas sim costumes, que ainda norteiam as repúblicas modernas.

Enquanto as forças tradicionais tinham o estado e suas forças armadas para manter o poder, os socialistas usavam o povo como seus soldados, o estado tinha que pagar seus combatentes, os socialistas não, era só engana-los ideologicamente para que lutassem por suas causas, essa história de sociedade sem classe era papo para boi dormir, útil para enganar os ignorantes a lutar por suas causas, mas no momento que atingiram o poder a coisa foi diferente, criaram a burguesia do capital alheio, a aristocracia dos donos da voz do povo e vivem até hoje banhados nos mesmos privilégios que usavam para fomentar a inveja no povo ignorante. Sem a ignorância os marxistas não teriam soldados, nunca teriam prosperado, e contribuiu para esta causa o progressismo, que prega a ignorância do passado como o oposto do tradicionalismo acéfalo. E é aqui que tem lugar as revoluções culturais que queimaram livros e pessoas, qualquer traço de intelectualidade verdadeira deveria ser eliminado, pois podia inadvertidamente educar o povo. É incrível, mas criou-se uma cultura da ignorância baseada no progressismo que nada mais é que a velha rotina sofista revisitada, mas agora sob o nome de relativismo. A busca honesta da verdade foi proscrita, foi decretado o fim da verdade, e um monte de pseudo intelectuais formou-se sob a ideologia ignorante de Hegel, Foucault, Adorno e Horkheimer, além de outros, disciplinas que tem em sua base um progressismo acéfalo, sofismo, relativismo, e um ódio mortal a toda busca da verdade, pois ela os inferioriza e mostra a crueza de sua ignorância. Mais do que em qualquer outra disciplina humana este culto à ignorância tomou de assalto as artes, e em especial a literatura.

Hoje com a acessibilidade dos livros através da internet e o conforto de leitura proporcionado pelos e-readers, mais que os livros dos grandes escritores, estão à disposição gratuitos também seus outros escritos, e dá para ver que as penas estavam ativas mais que nos romances, escreviam sobre tudo, principalmente sobre o meio em que viviam, as grandes obras não nasceram do nada, mas do trabalho constante com a escrita, e da elaboração intelectual da própria sociedade, todo esse material funciona como uma base invisível para os grandes escritos. George Orwell não elaborou “1984” e  “A Revolução dos Bichos” do nada, se ler seus escritos verá que a base foi sua realidade, hoje em 2014 vivemos uma realidade muito próxima à imaginada em 1984, pois a base já estava lá, na sociedade inglesa. Leiam os escritos de Orwell,  verão que a Inglaterra pré-guerra já padecia dos mesmos males que vivemos hoje: o estímulo ativo à ignorância através do espalhamento das idéias marxistas e pós-modernas, eles acreditavam no Hitler, o líder esquerdista era louvado nos jornais, qualquer menção pejorativa era desestimulada, atacada de forma sutil e se insistissem até feroz, não se podia falar no assunto, existia uma censura branca, estão vendo uma semelhança com o que existe hoje? Não é mera coincidência, sabe essa história do politicamente correto que vocês acham moderninha, já estava lá! O politicamente correto é uma maneira de evitar que certas questões escolhidas nunca sejam vocalizadas ou debatidas por proibir a própria língua, a novilíngua não foi uma invenção do Orwell, existiu, ainda existe! Peço que não acreditem em mim, mas leiam os escritos não ficcionais de Orwell, é esclarecedor, apenas uma proscrita minoria via em Hitler um monstro, ele era prezado como o grande líder reformista do século vinte, viu alguma semelhança do que vivemos hoje? A ignorância e as mentiras de Hitler eram relevadas na grande mídia, ele podia falar qualquer besteira que seria aplaudido, e isso na Inglaterra, não na Alemanha, viram mais alguma semelhança com o que vivemos hoje? Incrível não! Setenta anos depois e ainda louvamos o mesmo tipo de monstro progressista, sob a mesma bandeira, a modernidade como valor vazio da ignorância. A Inglaterra pré-guerra não aceitava a argumentação frontal e verdadeira, quem tentasse trazer a verdade era banido, veja a vida de Churchill.

Não é a “Revolução Cultural” um perfeito exemplo de novilíngua? Sob este nome Mao expurgou a cultura e fomentou a ignorância, toda cultura foi taxada burguesa para criar um pré-conceito que já exclui o debate, desta maneira colocam uma etiqueta no argumento, o que impede que se pense a respeito, mais uma versão do nosso politicamente correto, percebem o nível de policiamento do pensamento em que vivemos hoje? A liberdade de expressão está em nossa constituição, mas certos temas não podem ser nem mesmo debatidos.

Chegamos hoje a um ponto bizarro onde a cultura e principalmente a literatura perderam qualquer parâmetro de verdade, hoje o escritor quer ser artista antes de ser escritor, é um cacoete ridículo, pois é uma inversão que nunca permite a verdade: o escritor escreve, é seu ofício, e se for muito bom faz arte, o mesmo pode-se dizer de um pianista, mas não se faz arte antes de mestrar a mecânica da escrita ou dominar o piano. Estes artistas são apenas impostores que copiam descaradamente as doxas do modernismo do que seria a arte nos textos, e o que é pior, ninguém é capaz de perceber o embuste, e assim a cultura moderna torna-se um empilhamento de lixo inútil que contribui para a ignorância.

Uma das formas ativas de promover a ignorância é, por exemplo, dizer que não se gosta de falar sobre política, e assim impedir que as pessoas se eduquem, pois sem falar no assunto os monstros ficam livres para cometer suas atrocidades, vejam: toda vez devo lembrar que o PT e o governo Dilma ainda cobra imposto no e-reader a despeito do direito constitucional e o fato aberrante do aumento do analfabetismo no Brasil; como viram, o livro livre é inimigo das ideologias de esquerda e sempre foi combatido por aqueles que precisam da mentira, e a despeito de termos um instituto constitucional que proíbe imposto para evitar a censura, ela é imposta sobre o e-reader e ebooks, a versão mais popular que se pode ter da literatura. Mesmo que não falemos nada, o imposto ainda será cobrado e será uma barreira à educação dos mais pobres, e é isso que querem, que esqueçamos enquanto eles perpetram atrocidades, vejam como o aumento do analfabetismo não encontra espaço nos jornais, é um assunto gravíssimo que deveria ser pauta diária, mas não, é escondido da mesma maneira que a imprensa ocultou as atrocidades de Hitler. Faz mais de vinte anos que incentivo a leitura dos jovens e pude ver seus frutos nos adultos que por ventura ainda encontro, mas é doído ver a perda de jovens inteligentes que não puderam progredir na leitura por falta de condições financeiras, é fácil instigar a leitura, afinal, é uma coisa prazerosa, mas é uma coisa que tem que ter seguimento, e a falta de meios financeiros impede que se continue, por isso vejo na tecnologia e-reader uma possibilidade incrível de manter os jovens lendo, pois mesmo sem gastar nem mais um tostão podem continuar lendo a imensidão de material de qualidade que existe livre. Leitura é o principal inimigo da ignorância, o maior mal que nos assola hoje, pois tudo decorre dela. O e-reader pode ser o veículo de uma verdadeira revolução cultural em favor da cultura, não para destruí-la. Argumentação honesta e cultura são base de toda educação, de todo avanço científico, de todo avanço das idéias. A liberdade de expressão é fundamental, pois sem ela não temos argumentos para destruir, é importante que nossos adversários possam falar livremente e expor seus argumentos, para que os possamos destruir, e no caso de fracassarmos, sucumbimos a ele, da mesma maneira que hoje a terra gira em torno do sol. Aqueles que não podem sequer ouvir os argumentos pois perdem, que não podem enfrentar a verdade, são os que não tem condições de destruir os argumentos, mas não podem conviver com eles, nem os aceitar, precisam destruir seus portadores, pessoas, pois a verdade sempre tem mais força que a mentira.

Alex

Livros, e-readers e cultura.

Cultura, palavrinha difícil, abusada, vilipendiada, torcida em seu sentido e prostituída em todos os sentidos; dá para traçar um paralelo com a palavra vida, que também por significar tudo e nada, no final do uso diário perde todo seu sentido, ou mesmo a busca de um sentido. Não há vida sem passado e não há cultura sem memória, e ao mesmo tempo vida e cultura apenas justifica-se no presente, parece incongruente, dependemos do passado, de sua lembrança, mas seu uso, sua realidade está no presente.

A escola foi um dispositivo inventado para difundir a cultura em sociedade, e de uma vasta gama de conhecimentos, escolhemos aqueles imprescindíveis para o homem viver em sociedade, mas o que tentamos injetar é uma espécie de cultura postiça, padronizada, industrializada e plastificada para servir a todos, menos aos que realmente buscam cultura de verdade; a coisa legítima, muito mais brilhante, vibrante e viva não está nos medíocres bancos escolares, está na vida de cada um, e na vida que teve a cultura em nossa sociedade, não nos textos dogmáticos repetidos à exaustão, mas no uso prático que se faz deste conhecimento tornando-o vivo.

Ter cultura como fim é mera imbecilidade, pois é da vida que ela advem, não como objetivo, mas como subproduto involuntário. Você lê um livro, diverte-se, toma contato íntimo com o texto, e desta relação pessoal ganha como subproduto cultura, viver o livro é o que lhe dá cultura; mas se ao contrário, você é obrigado a ler, decorar, e não tem a vivência do livro, o que vem é uma cultura postiça e disfuncional, não uma relação pessoal com o livro, mas uma relação intermediada pela sociedade, pois cultura em si não tem qualquer valor a não ser o desfrute advindo da vivência que a gerou, a cultura como valor social é falsa. O motivo da cultura ser valorizada em círculos sociais é que os indivíduos verdadeiramente cultos e inteligentes se destacam, e por isso despertam inveja, a inveja gera cobiça e assim, sem viver, os invejosos almejam ter o mesmo destaque, mas não querem a vivência, cultura de verdade, apenas sua aparência social. E por não importarem-se e não viverem são impossibilitados de ter a compreensão dos assuntos daqueles que experimentam esta relação com seu tema de paixão, ficam aleijados, e como todo invejoso, inferiorizado, indigno da cultura que finge ter.

Rousseau não entendeu estas diferentes relações e confundiu a verdadeira cultura com sua afetação social, fruto da inveja, e assim em seu discurso contra as artes e a ciência, as culpou pelo pecado humano, e não percebeu que é a relação social que gera esta perversão, e de maneira burra e crédula creditou ao homem inculto a pureza, pois este estava livre da cultura corruptora, mas é do homem, da sociedade humana esta perversão, não da cultura, seja na forma de arte ou ciência. Veja este excerto:

Hoje, quando estudos complexos e gostos refinados reduziram a arte de agradar em princípios, uma vil e enganosa uniformidade governa nossos hábitos, e todas as mentes parecem ser produzidas do mesmo molde: reiterada polidez traz demandas, propriedade escreve ordens, e incessantemente pessoas seguem as tradições costumeiras, nunca suas próprias inclinações. Uma pessoa não ousa ser como ela é. E neste constrangimento perpétuo, homens que compõem este rebanho chamamos sociedade, colocados na mesma situação, todos fazem as mesmas coisas, a não ser que forças poderosas o evitem. Assim, uma pessoa nunca conhecerá bem a pessoa com que trata. Pois para conhecer um amigo será necessária uma situação crítica, dito isso, esperar até que seja tarde, pois é lidando com estas emergências que você o conhecerá de verdade.

Ele confundiu a uniformidade, a mediocridade, como traço da cultura padronizada, mas este comportamento é inerente do homem inferior, que tem a tendência de ajuntar-se em bandos e comportar-se como matilhas, assim como os animais aos quais é impossível perverter com a cultura, o tal homem natural não tem nada de idílico, tem embutido em seus genes as mesmas características de todas as bestas feras que o precederam sobre a terra. Mas, ao contrário dos animais o homem tem escolha, uma escolha consciente, da mente humana intelectual, não animal que age sem escolha consciente possível, e é nesta consciência humana que reside a cultura, e é responsável pelo uso que faz de suas potencialidades.

Fabulosos e evidentes são os enganos de Rousseau, mas pior foi a leitura que a inveja ainda mais aguda dos homens inferiores fez de seu trabalho, gerando a estupidez do marxismo e sua luta de classes, como podem ver, o comportamento de gado que Rousseau despreza é a própria natureza do sentimento de classe; classe esta que não suporta o diferente, pois quer a tudo mediocrizar, e no momento de seu nascimento, era uma aristocracia decadente e uma burguesia ascendente que viraram alvo da inveja da massa medíocre.

Apesar de Rousseau ter reconhecido Bacon, Descartes e Newton como capazes de subsistir à cultura social mediocrizante, não ousou seguir seus escritos, e como bom homem inferior ignorou as palavras de Bacon:

Os que se dedicaram às ciências foram ou empíricos ou dogmáticos. Os empíricos, à maneira das formigas, acumulam e usam as provisões; os racionalistas, à maneira das aranhas, de si mesmos extraem o que lhes serve para a teia. A abelha representa a posição intermediária: recolhe a matéria-prima das flores do jardim e do campo e com seus próprios recursos a transforma e digere. Não é diferente o labor da verdadeira filosofia, que se não serve unicamente das forças da mente, nem tampouco se limita ao material fornecido pela história natural ou pelas artes mecânicas, conservado intacto na memória. Mas ele deve ser modificado e elaborado pelo intelecto. Por isso muito se deve esperar da aliança estreita e sólida (ainda não levada a cabo) entre essas duas faculdades, a experimental e a racional.

Um detalhe importante a salientar é que como viemos neste curso de uma sabedoria eminentemente religiosa, virtudes como lógica e razão eram consideradas divinas e metafísicas, mas de um ponto de vista epistemológico tendo a ver estes valores como fruto da observação e experimentação, da causalidade.

De um lado temos a cultura real, a que adquire-se do contato com as artes e a ciência, do outro temos o contato social, indireto, falso. Junto com o marxismo ganhou popularidade um tipo de estudo chamado historicismo, se levarmos em consideração os escritos de Hegel, as coisas não tem valores em si, mas apenas os que a sociedade lhe dá, assim em vez de imiscuir-se em artes e artesanias, cria-se uma narrativa falsa que substitui a coisa em si. Esta cultura de falsificações tornou-se o cerne das idéias marxistas, pois como uma religião Marx predisse que o fim da chamada luta de classes seria inevitável, mas há aí muita, toneladas de besteiras, a primeira e mais fundamental é a própria idéia de classe, agrupar pessoas nestes cercados de gado é tirar toda sua humanidade e cultura verdadeiras.

O homem inferior sente inveja do superior e tenta sabotar aquilo que cobiça, quer destruir o que não pode ser, mas ser superior ou inferior é uma escolha à disposição de todos, e para isso é só descobrir os verdadeiros gostos e prazeres que tem no contato exclusivo com seus objetos de estudo, sejam eles quais forem. E desta escolha vem o desenvolvimento mental, o homem torna-se inteligente não por seus genes mas por sua atitude diante do conhecimento, da cultura. A partir do momento que tem prazer em uma atividade você constrói sua cultura, seu saber, como já demonstrou Piaget, você tem um modelo vivo, e a partir dele novas informações são incorporadas gerando o fenômeno da acomodação, isso cria um todo conectado e coeso, diferente de informações simplesmente memorizadas e descontextualizadas do conteúdo geral, que não se encaixam, e portanto não formam o entendimento como um todo.

Em todo esse processo o livro tem sido o principal veículo da cultura, só ele é capaz da intimidade intelectual necessária, houve época que achava que livros não mais valiam como ferramenta de comunicação de massa, uma vez que muito menos gente lê, mas depois de muito explorar toda a linguagem de vídeo e áudio, cheguei à conclusão que certo conteúdo intelectual é inviável nestas mídias, pois não se consegue transmitir conceitos intelectuais complexos. No livro lemos e relemos, paramos para pensar e organizar as idéias e este ritmo é pessoal, vídeo e áudio, mesmo pausando, não tem esta versatilidade para induzir o pensamento profundo. Vídeo e áudio são ótimos acessórios, mas para conceitos intelectuais complexos, não são suficientes, nada supera a intimidade que a mente tem com o livro, e nem precisamos dos grandes tratados de filosofia para provar, qualquer livro de estória é muito mais vívido que o melhor dos filmes, não há filme que consiga nos transportar para uma realidade imaginária com tanta eficiência. Assim, é inevitável ver que uma sociedade com menos livros, em que se lê menos, é uma sociedade mais estúpida.

É bem evidente o processo de desvirtuamento cultural em que vivemos, na época em que o acesso é mais fácil, mais democrático, as falsificações culturais proliferam, a sociedade humana mais organizada e institucionalizada é a que mais prega a mediocridade; universidades, em vez de serem centros difusores de excelência, tornaram-se os bastiões dos medíocres. Cabe aos que prezam a cultura, os que dela tiram prazer, caminhar independentes para não serem cerceados pela massa.

Com o mercado ditando o que se imprime, o e-reader veio devolver a diversidade fundamental para o mundo dos livros e da literatura, o próprio livro gratuito para quem tem e-reader é um tabu, pois nunca foi assim, livros sempre custaram, sempre foram objeto, este ebook sem corpo é uma aberração, pois tudo que traz é a literatura e cultura despidas de todos os fetiches, mas com toda a parte essencial. É um choque achar tomos de incomensurável valor cultural gratuitos na internet, é a cultura despida de toda inutilidade, mas preservada em sua essência. É uma quebra de paradigma, para aqueles que sempre tiveram relacionamento íntimo com o livro nada muda, a transição é prazerosa, pelas facilidades que traz, mas para quem tem um relacionamento idólatra, fetichista ou vigarista, o e-reader traz o desmascaramento da falsa intelectualidade, uma afronta, por isso tanta gente quer sabotar o e-reader, por isso tanta gente odeia o acesso que o e-reader trouxe para os ebooks e o acesso que dá a toda cultura. É também por este motivo que o governo cobra imposto no e-reader, pois sem a taxação ele fica acessível aos pobres e pode significar a quebra do ciclo de ignorância crescente do Brasil, um governo com base em teorias socialistas furadas precisa da ignorância do povo para que prospere a implantação do almejado regime ditatorial.

O que acho engraçado é que ninguém espelha-se mais nos grandes homens, é como se fossemos indignos, e é aí que começam as más escolhas, a inveja em vez do prazer e da virtude. Se muitos foram grandes é por inspirarem-se nos grandes, para um exemplo sonoro, pegue a primeira sonata de piano do Beethoven, ela é um desafio a Mozart, lógico que o segundo já não mais existia, mas era o mestre a ser batido, Beethoven parte de uma melodia muito parecida com as composições de Mozart, mas à medida que a música progride a estrutura vai ficando mais sofisticada, “melhorada”, ousou ir além, desafiou o mestre. Por melhores que sejam todos são homens, e podem ser ultrapassados por outros homens, mas o caminho da inveja faz com que os mestres sejam apenas desprezados, mas nunca superados, pois o invejoso é sempre indigno, para vencer necessita da falsificação e da complacência da massa medíocre que faz o seu sucesso, mas nunca seu mérito, é um conluio implícito onde o mérito verdadeiro é ofensa pois desmascara a farsa.

Sem descambar para o lado místico, adquirir cultura exige que primeiro siga o ditame das portas dos templos iniciáticos: “Conhece-te a ti mesmo”. Quem é você? Quais são seus  gostos? O que realmente lhe dá grande prazer? A partir daí siga a sua curiosidade, vá vivendo e encaixando todos os pedaços de informação que adquire segundo o mapa dado pela sua curiosidade, não se deixe seduzir pela pressão social, só você sabe o que você quer, e nessa relação ninguém pode se meter, e verá que terá os melhores amigos pelos assuntos em comum que te atraem, aqueles que podem acompanhar-se na busca pessoal e não os que queiram te desviar do que é seu, do que é você. O invejoso não consegue ter esta relação íntima com seus interesses, ele não tem prazer, inveja o prazer que outros tem e a cultura que por ventura virá, cuidado com esses tipos, eles não tem nada de bom a te oferecer.

De posse de um e-reader, vou dar-lhe algumas dicas: nunca se deixe intimidar por qualquer texto, faça perguntas, se não entende pergunte o porquê, pode ser que ele refira-se a outros textos ou conceitos que não estão no livro, se as palavras não fazem parte do seu léxico, o dicionário foi feito para isso, no e-reader basta um “clique”, e assim seu repertório cresce, pergunte, nunca fique calado! O grande problema ou solução é que cultura de verdade é sempre desafiadora, irrequieta, ela te faz questionar, e tudo que a massa medíocre não quer é este desafio. Certa polidez social, já denunciada por Rousseau, existe ainda hoje, e é ela que mantém a aparência dos impostores da cultura, que não devem ser desafiados para não serem desmascarados, eles ostentam uma posição social, mas não mérito moral, não são invejados pelo que são, mas pela posição que ocupam.

Seja verdadeiro, seja você, pergunte, desafie e cresça, se a cultura hoje é mais fácil e acessível a sociedade é mais ignorante e estúpida, enquanto os invejosos tem que tomar antidepressivos para dormir por perder de vista o verdadeiro prazer, siga em paz com o livro e deixe que te guie nos sonhos de grandeza que um dia embalaram os grandes homens.

Alex

Quem é o livro?

É absolutamente estonteante o nível de leviandades que hoje atingem o livro, e de um passado glorioso e rico podemos afirmar muitas coisas, menos que o livro seja leviano; é ele o ápice do desenvolvimento intelectual, mesmo quando prático, pois tudo que contém e pode conter é uma representação mental, mediada por símbolos, signos e códigos. Conhecimento em certa profundidade só em livros, quem sabe muito sobre algum assunto é instado a deixar sua marca em formato de livro, pois é ele o único que através da história e das gerações humanas foi capaz de dar continuidade ao mundo das idéias, a vida intelectual da humanidade.

Desta maneira quando ouço de forma repetitiva que o livro de palavras morreu, que ninguém mais vai querer ler, que livro é coisa antiga, ultrapassada, sem futuro, tenho absoluta certeza, quem faz estas afirmações não lê, não sabe o que é um livro, e não entendem o nível de estupidez que estão proferindo, ignorância, leviandade. Hoje o livro é visto por muitos como mais um produto de mercado, com seu valor atrelado à sua capacidade de venda e existência como produto, mas apesar da hegemonia das relações comerciais, a vida humana é mais que um produto, o ser individual não é passível de ser produtificado, e assim é também o livro de verdade, veículo do pensamento que permite ao homem mortal a imortalidade de suas idéias, e é este livro do qual não se suspeita, este que está de sua maneira atrelado ao desenvolvimento humano, impossível separar, é ele apenas ferramenta, mas poderosa pois é o único capaz de portar o pensamento em grande profundidade. No livro lemos e relemos, as palavras estão ali e basta um movimento de olho para repetir a mesma frase, decompô-la em palavras, ou ordenar suas unidades, brincar e manipular uma idéia ou pensamento, nenhum outro veículo tem esta capacidade, e assim faz com que o livro seja o transmissor perfeito da elaboração intelectual humana.

O homem é o único animal capaz de manipulação intelectual avançada, pensamento abstrato, e isso não vem com genes, eles nos permitem a capacidade deste desenvolvimento, mas sua existência não é fator filogênico mas ontogênico, deve ser desenvolvido; pelos estudos de Piaget sabemos que as crianças só terão domínio desta lógica abstrata lá pelos dez ou onze anos, mas estas idades não são fixas e dependem do desenvolvimento mental, é uma progressão intelectual; e a progressão intelectual da humanidade, em vez de estar na memória perene do indivíduo está nos livros, e sem eles não haveria epistemologia possível. As civilizações primitivas dependiam da tradição oral, mas o desenvolvimento da escrita permitiu o diálogo entre gerações que nunca puderam encontrar-se, o livro é uma extensão da memória, estudos apontam que ler um livro ativa no cérebro regiões semelhantes às experiências reais. Temos apenas o tempo de uma vida, mas através dos livros podemos aproveitar da experiência de nossos antepassados para tornar as nossas experiências hoje mais plenas, aguçando os nossos sentidos para ir além, de posse de toda herança humana deixada nos livros, vivemos mais de uma vida, muitas!

O livro existe deste o desenvolvimento da escrita, variando de suporte durante a história, livros já existiam antes de Gutenberg, caros, copiados a mão, um a um ou em edição única, extremamente restritos; a invenção da prensa só facilitou a confecção de livros, e a igreja preocupou-se pois a posse dos textos dos evangelhos, antes monopólio da igreja, estaria à disposição do povo, e pior, o povo poderia aprender a ler, pois sem livros não há necessidade ou possibilidade do desenvolvimento da leitura. Pouco mais adiante, quando começaram a imprimir livros em polpa de madeira, o que os tornou ainda mais baratos e populares, foi a hora das universidades preocuparem-se, pois com seu conhecimento disponível em livros acessíveis aos não universitários, temiam perder a função, pois antes, sem estar na universidade tais conhecimentos estariam indisponíveis ao indivíduo. Mas mesmo assim o livro prosperou e a humanidade prosperou com eles.

É impossível pensar o desenvolvimento humano sem os livros, e um absurdo pensar em uma sociedade sem livros, disparates da modernidade. Livros favorecem o conhecimento, fomentam o debate e a discussão de idéias, sabe a parte engraçada: hoje, para justificar a ignorância, o não debate, usa-se o argumento vazio da modernidade, esquecendo o passado e o valor de seus argumentos, antigamente usava-se a tradição para justificar a ignorância: “sempre fizemos assim, e é assim que deve ser feito”, uma falácia velha, mas com o mesmo efeito temos a falácia moderna onde ”o novo é melhor, moderno, o velho é ruim”; tanto tradicionalismo como progressismo tem a mesma raiz: ignorância, fuga do debate lógico, medo da argumentação. Assim, em ambos os casos favorece a ignorância, que é combatida com livros, para os tradicionalistas os livros trazem o perigo das novas idéias, dos melhores argumentos, para os progressistas os livros trazem o perigo das velhas idéias, os argumentos que funcionam. Há também um uso ambíguo dos livros, como dogma ou fonte de idéias, Aristóteles usado como dogma pela igreja foi devastador, mas como fonte de idéias é excelente, foi um grande pensador, mas não significa que sabe tudo. Aqueles que tomam um pensador como um todo, estão apenas exercendo o dogmatismo acéfalo, Descartes provou a existência de Deus, e o mesmo Descartes criou o sistema cartesiano e o método científico, se valorizo Descartes não preciso necessariamente aceitar sua prova da existência de Deus, mas uso muito bem o sistema cartesiano; essas pessoas que vêem todo tratado filosófico como um sistema de idéias que deve ser adotado em seu todo, advogam a ignorância do dogmatismo. Tome como exemplo o trabalho de Freud, se pegar separadamente cada acepção verá que ele diz besteiras incomensuráveis e a própria mistificação do id, ego e superego não tem qualquer base fática, é uma explicação similar aos gregos que atribuíam os fenômenos naturais aos Deuses, mas a descoberta do inconsciente e seus processos e efeitos na psicologia consciente é inegável; veja quantas escolas de psicologia existem com      teorias fantasiosas baseando seus métodos, e em realidade, apesar das disparidades teóricas, todas funcionam pois no fundo tentam trazer ao consciente mecanismos e processos do subconsciente, seja ele com o nome que tiver.

O livro é fonte de pensamentos não repositório de verdades, e como em qualquer conversa, há a parte que aceitamos pois nos parece razoável e há a parte que descartamos, mas mesmo o que descartamos nos faz pensar e afirmar nossos valores, eu gosto particularmente do trabalho do Immanuel Kant, e acho que chegou a conclusões notáveis, mas tenho diferenças conceituais fundamentais uma vez que ele diz que a lógica é algo puramente metafísico e eu tendo a considerar a lógica como fruto da causalidade, ou seja sem qualquer existência metafísica. Einstein também era profundo admirador de Kant, mas no caso da relatividade violou o apriorismo kantiano. Darwin descobriu a seleção natural mas nunca foi capaz de divisar um mecanismo que seria possível de explicar tal fenômeno a contento, que o fez Mendel com suas ervilhas. Tudo, absolutamente tudo em livros, estão eles hoje mortos, mas posso ter contato com seus pensamentos, vivos, parte da base que assenta a sociedade atual, vivemos uma evolução de idéias que estão em livros, assim, vejam o tamanho do disparate que é uma sociedade sem livros, o seu computador, celular, tablet e e-reader só existem por causa dos livros, e livros são necessários para manter esta tecnologia, subproduto do pensamento humano.

A produtificação do livro é um dos fatores que tem levado à sua fragilização, acontece que hoje nossa sociedade mercantil é muito mais desenvolvida, pragmática e finalista, e toda atividade humana é reduzida às interações comerciais, e estas são voltadas à geração de lucro, assim, tudo resume-se a ter o melhor produto que gera o maior lucro líquido, todo o resto é esquecido nesta competição. Tudo que vende pouco e dá pouco lucro é deixado de lado, e entre eles o livro. Tem gente que afirma que devemos ao capitalismo os confortos da sociedade moderna, discordo, uma vez que é este mesmo capitalismo que nos incentiva a abandonar atividades que não dão lucro, ou que dão pouco lucro para as que dão mais, é este o acerto último do capitalismo, seu ápice, e nesta visão mercantil pragmática enterra-se o empreendimento humano, que nem sempre busca o lucro. O capitalismo bem desenvolvido é tão ruim quanto as supostas economias planejadas do socialismo, a diversidade, o empreendimento só existe no capitalismo incipiente, pois aquele que atingiu seus objetivos só tem olhos para os maiores lucros, não para o lucro que permite a vida modesta, não para atividades que não visem lucro, o lucro, base do capitalismo é igualmente mediocrisante e podemos ver isso claramente no mercado de livros: é necessário um investimento para a existência de um livro, investimento do autor na forma de trabalho, investimento financeiro para imprimir e distribuir este mesmo livro, investimentos devem ser pagos e além disso o livro deve gerar um lucro condizente, portanto, não importa o quão magnífico e maravilhoso seja um livro, ele deve dar lucro, e se este livro só conseguir ser apreciado por um punhado de pessoas, ele não presta, não tem popularidade, não tem escala, não dá lucro, não deve existir! Quantos dos grandes livros da história caem nesta categoria de não existência? Quantos destes livros não seriam escritos ou impressos se levarmos em conta o pensamento pragmático capitalista? A realidade é que a interação mercantilista tenta intermediar toda relação humana, e este é o verdadeiro capitalismo, relações fora deste ambiente de lucro são desconsideradas, não existentes, e assim provo e mostro que o capitalismo não é capaz de criação, apenas de repetição, não é ele advogado da livre iniciativa, pois isso pode significar prejuízo, falha, e o capitalismo moderno e desenvolvido não admite falha e risco. O grande capitalista gosta da certeza do lucro, não da incerteza do risco, e muitas vezes o sucesso no caso de livros é e sempre será apenas o fracasso mercantil. Se tivemos bibliodiversidade foi pelo fato das editoras serem amadoras, investindo em livros que dariam prejuízo, nada que quer as grandes e potentes do mercado, o problema é que evitar o risco, dar a garantia do lucro, é o caminho mais que certo da mediocridade.

Se duvidam do que digo vejam o caso evidente da televisão a cabo, toda a sua programação é baseada em fórmulas velhas do que deu certo antes, vejam a indústria do cinema, quanto maior mais medíocre! Quase não vou mais ao cinema e tenho centenas de canais com nada que preste para ver, há diversidade? Não! Há muita coisa, há muito lixo, mas diversidade? Nada! É tudo igual e formulaico, segue a receita do que já deu certo, e com isso tenho centenas de canais e nada para ver, um monte de livro e nada para ler. Qual o motivo de antigamente esgueirar-me por livrarias por anos atrás de um livro? Haviam lá tantos, era só pegar um qualquer… eu tenho um gosto exótico, difícil, pois um destes livros que passei anos procurando em livrarias foi o “Senhor dos Anéis”, valeu? E como valeu! Isso é o que o capitalismo gordinho, profissional e bem desenvolvido nunca vai entender. A livre empreita não é característica do capitalismo, mas do ser humano, e o capitalismo desenvolvido não gosta da livre empreita, não gosta de falha, e o “Senhor dos Anéis” foi uma destas falhas, e isso sem entrar em searas mais eruditas, onde os exemplos saltam.

O e-reader fez com que os ebooks possam competir de igual para igual com o conforto do papel, mais praticidade, mas o mesmo sabor. E é esta característica imaterial do ebook com custo ínfimo de impressão e distribuição que faz com que autores e pequenas editoras possam arriscar-se a falhar e sem por isso perder seu sustento de vida, se é que fui claro, ele tornou o recurso “impressão” mais abundante permitindo que a diversidade floresça, que pessoas como Tolkien possam dar-se ao luxo do fracasso. Nem todo autor viverá de seus escritos, e muitos dos grandes livros não sustentaram seus autores e deram prejuízo aos seus editores, mas estão aí, resplandecentes mendigos a abrilhantar e divertir a cultura humana; e neste ambiente de capitalismo avançado, com mega editoras e sua busca por lucro e medo do fracasso que o ebook e o e-reader vem para preservar o que há de melhor na literatura e nos livros. O comercialismo ignorante vinha minando do livro o que o livro é, fonte das idéias, repositório do melhor do pensamento e criatividade humana, memória consciente da humanidade.

Mas a coisa é ainda mais divertida, por muito tempo livros e cultura foram sinais de status, até o século dezessete os livros de um morto entravam no inventário do seu testamento de tão valiosos, ter cultura era caro, reservado a uns poucos que podiam pagar. Mas não adianta pagar, ter posse de muitos livros, cultura antes de mais nada é vivência, e antes, a possibilidade desta vivência era exclusiva dos abastados, a cultura não estava ao alcance dos pobres. Hoje não mais, sabe aqueles livros que figuravam em testamentos? Hoje estão gratuitos na internet, e sem gastar um mísero tostão você pode ter mais livros que o rei mais poderoso da antiguidade, e cultura não se compra, vive-se. E como isso é dolorido para os bilionários modernos, tem dinheiro, poder e no entanto nem todo o dinheiro do mundo será capaz de lhes dar cultura se pegar um texto um pouquinho mais longo e desistir, não tem como comprar imediatamente cultura como se compra um carro de luxo, é preciso ler, e sem isso, não importa a montanha de dinheiro que possua, será inferior a um pobre coitado que apenas lê. Não adianta ler apenas um livro, nem dez, talvez mil, dois mil, três, se souber pensar, mas vai ter que ler… pode comprar e a mesma pessoa que pegou os livros de graça na internet mas os leu será superior, que inveja! Ter todo dinheiro e ser inferiorizado por um pobretão, que ódio! E tudo isso porque a cultura ficou barata, acessível, mas nunca popular, ainda é um item de status que não se pode comprar com dinheiro, um item de distinção humana.

O livro afronta o capitalismo, a doutrina do imediatismo e o ganho pragmático, ninguém ganha nada lendo, mas vive-se, e isso não é precificável, comprável ou vendível. Aliás o que se ganha com a vida? Dinheiro? Talvez, mas antes de tudo vive-se e isso é uma afronta a todo valor mercantil, a vida individual não tem valor mercantil, mas como o rico inveja quem da vida absorveu cultura, pois de todo seu dinheiro, pode comprar hotéis, aviões, carros, lanchas, jóias, menos vida e cultura, e aí os que deveriam ser invejados na cultura capitalista passam a ser os invejosos.

A internet não é nada, em seu sentido mais estrito nem material é, é possibilitada pela tecnologia, mas não é a tecnologia, assim como o livro é a tecnologia que carrega idéias no formato de textos escritos. Internet é a possibilidade de conexão, de livros, pessoas, dados. Há livros na internet, ela carreia livros, ela carreia textos que em sua acepção mais básica também são livros, e é preciso ver cada um destes livros com seu devido formato, um twitter é um livro onde a mediocridade e leviandade são forçados pela limitação de caracteres, a imposição de tamanho é uma garantia de leviandade, um mata burro, é falácia dizer que tudo pode ser sintetizado, assuntos complexos precisam de espaço e assim ficamos nos textos mais que rasos deste livrinho chinfrim. Há quem diga que a internet só comporta textos curtos, e aí estão delimitando a internet como o espaço dos levianos, está certo que ler em computador ou tablet é cansativo por conta da luz lançada diretamente em seus olhos, mas o e-reader veio trazer um novo conforto, o mesmo do papel que permite ler milhares de páginas com concentração e ambientação sem igual. Livros constituídos só de palavras ainda são imprescindíveis, os babacas que dizem que hoje livros terão que ter áudios, fotos e vídeos são uns idiotas, é a mesma restrição mental dos poucos caracteres do twitter, ao mesmo tento não advogo que livros não devam ter imagens áudios ou vídeos, tudo depende das possibilidades e do que se quer fazer, assim ainda justiça-se livros só de palavras, como livros com todo o resto, mas o fato relevante é que livros só com palavras ou com muitas palavras são únicos e não podem ser substituídos, e mais do que isso, carreiam toda a nossa existência como espécie humana.

E agora temos que falar sobre os formatos do livro eletrônico, o código que carrega o código da escrita, é imprescindível que seja o mais aberto possível para que livros sejam copiados indefinidamente, que é o que ocorreu com os livros de Platão que não se perderam nos fogos da biblioteca de Alexandria, toda esta estória de restringir o ebook fede, é contra o livro e o que é o livro. Atualmente temos o epub que é um formato relativamente livre, um texto que reflui conforme o tamanho da página, mais ou menos como o html, é limitado mas capaz de comportar toda a literatura já produzida, e mais que isso, alinha-se com a capacidade das telas e-ink. Sua versão 3 o Epub3 traz capacidade de áudio e vídeo, e até programas que podem funcionar como vírus, um grande problema, e não compatível com as telas e-ink, pois se gastam pouca energia é pelas características de imagens estáticas da leitura, se fossem mostrar vídeo não suportariam cinco minutos. Pode parecer pouco para os ignorantes que não lêem, mas a combinação e-ink e epub tem uma capacidade monstruosa de portar a literatura, mais que desenvolver o epub3 é necessário padronizar as características de apresentação do epub que varia de aparelho para aparelho. É bom lembrar que o PDF só progrediu por ser um padrão aberto, mas era para emular o papel, para portar literatura eletrônica o epub é muito melhor. Padrões proprietários como os da Amazon ou os DRMs são uma excrecência, denigrem a própria literatura, e os serviços de aluguel online de livros são ainda piores, frutos deste mercado que gosta de produtos mas odeia livros.

Em teoria o livro precisa apenas do autor, e veja quão difícil é encontrar um bom livro, imagina um livro que envolve texto, imagens, áudio e vídeo, muitíssimo mais difícil, assim é mais fácil encontrar um grande livro do que um grande filme, que exige toda uma equipe; imagina os tais “enhanced books”, ia ser um festival de horror, escrever é mais que juntar palavras de qualquer jeito, e se só com texto é difícil ter grandes obras, imagina com o todo o resto e o nível de excelência necessário a um grande trabalho.

Espero que este texto esteja ajudando a evidenciar o festival de sandices que se fala hoje do futuro do livro, pois o livro do futuro também é o livro do passado. Lembram que falei que nossas habilidades dependem do aprendizado? Grande parte deste aprendizado precisa do livro e sua forma, como disse antes nossos genes nos dão a capacidade, mas não a habilidade do raciocínio abstrato, para isso é preciso desenvolvimento, treino, e para isso o livro escrito é fundamental, é nele que podemos brincar com idéias complexas, nenhuma outra mídia permite este nível de abstração e concentração, dominar livros é ganhar a capacidade de raciocínio superior.

Existem os livros que lemos, existem os que não lemos, impossível ler todos, mas é possível justificar a existência dos que não lemos, eles contribuem para a diversidade, e assim cada um lê os livros que quer, da interação humana vem a diversidade, e dela seleciona-se as melhores idéias, como já viu Darwin é preciso diversidade para ter seleção. É incrível como capitalistas e socialistas odeiam livros, os capitalistas querem que existam apenas os que vendam muito e dêem lucro, os socialistas querem te dizer o que ler para não haver diversidade e assim acabar com a contestação de idéias. Assim a diversidade, característica inerente do livro é execrada por ambos, pois o livro é coisa de humano e ambas as ideologias são inumanas.

E assim encero minha defesa do livro com muitas palavras, que precisa de tempo, concentração e raciocínio para revelar seus segredos ou simplesmente para nos transportar para as mais incríveis realidades fantásticas.

Alex

Verdades sobre leitura e literatura.

Livros acompanham homem e sociedade, se nossa herança animal está no código genético, guardado no alfabeto químico do DNA; a herança humana está no código das letras, guardada no interior dos livros. Se caminhamos, acrescentamos, e mudamos nossa sociedade, grande parte vem do acúmulo do conhecimento depositado em livros. De todas as mídias que transportam o pensamento humano, a maior parte da cultura está em livros e no papel, até a música antiga, só chegou a nosso tempo pois alguém inventou uma maneira de registra-la em papel. O livro e a escrita não só são a forma mais simples de registro do pensamento, como é ainda hoje a mais efetiva forma de transmissão da herança intelectual.

Desta maneira podemos ver o grau superlativo de importância que toma a alfabetização, é ela que nos insere da natureza como humanos, herdeiros do pensamento de gerações passadas. Mas a tarefa de ensinar o uso das letras para nossas crias está cada vez mais deteriorada, como doença genética que transmite a seu descendente morte e sofrimento físico prematuro. Além do descaso, e da intenção de manter o povo ignorante para que não se diferencie dos animais dóceis de carga, há a ideologização estúpida da educação, mistificando o que é realmente alfabetizar e através das letras educar.

Desaprendemos a ensinar, alfabetizar que era simples, agora virou tarefa impossível, tudo por conta de uma ideologia educacional ignorante, a cartilha que ajudou milhares a ler hoje é demonizada, um absurdo, um desserviço à educação, ou pior, crime. O curso de magistério que ensinava professoras a alfabetizar, foi substituído pelo curso de pedagogia, que tem status universitário mas não ensina a alfabetizar. A cartilha permitia até que professores leigos alfabetizassem, vai me dizer que isso não é incrível? Tentei de todo modo encontrar as bases do tal construtivismo que agora substitui de maneira ineficiente o que já funcionava, dizem vir de Piaget, garanto, não só não há nada do tal construtivismo em Piaget como o próprio cerne do trabalho, tanto desenvolvimentista, como o epistemológico, são contrários ao que prega esta ideologia. A criança constrói sua lógica com base na lógica causal à sua volta, e a cartilha traz para a criança a lógica fonética da nossa língua, simples assim, associando o signo fonético grafado na página com a linguagem oral já dominada. Você pode nunca ter visto ou ouvido a palavra ‘rafrileque”, mas você sabe como falar em voz alta. Esta estupidez de palavra inteira em vez da lógica fonética que é inerente da nossa língua só atrasa e atrapalha o estudante, que demora ter a fluência necessária para ler um livro. Ao contrário do chinês e japonês onde um símbolo representa uma palavra e a criança só vai ler um jornal com onze anos, com o uso da cartilha que traz a lógica fonética, a criança já pode ler com sete ou oito anos. Mas graças à maravilha da ideologia educacional moderna, as pessoas saem semi-analfabetas da universidade!

Vamos ser sinceros, ou existe uma burrice virulenta no sistema de ensino, ou há intenção explícita de deixar o povo ignorante. Não há outra hipótese. É tão óbvio, com cartilha, professoras do curso de magistério sem curso universitário, as crianças liam no máximo com oito anos, hoje saem analfabetos funcionais. Não é à toa que a maior dor de cabeça do governo militar eram os estudantes, problema resolvido, com estudantes ignorantes podemos voltar à ditadura sem oposição. E não é só isso, como é chato um mundo empesteado de ignorância, é tão mais divertido ter pessoas cultas para conversar, debater com opiniões qualificadas, apreciar nuances complexas invisíveis a olhos cegos. Há mais tecnologia, hoje o acesso à informação é muito mais simples, e com o e-reader e-ink, a informação de qualidade dos livros torna-se acessível a muita gente, mas é preciso educação. E o início de tudo, a porta de entrada, a chave para herdar humanidade, está na alfabetização.

Livros são o complemento indispensável, a outra parte, a pedra basilar da educação, se alfabetização é o meio, o livro é o fim. Não há propósito de alfabetização sem livros, a língua portuguesa é inútil sem livros, corpo sem vida; e isto já é conhecido há muito, a frase: “um aposento sem livros é como um corpo sem alma” foi dita por Cícero a mais de dois milênios, como eu sei? Livros! Se palavra é meio, o pensamento humano é o fim, livro seu guardião, depositário fiel do pensamento dos antepassados.

Leitura sem liberdade nada mais é que doutrinação, tudo está em livros, cabe a nós escolher, e através destas escolhas, escolhas de vida, é que se define o ser humano, quem não escolhe, quem anda em brete, é gado, animal, não humano, pois a este a inteligência deu a possibilidade de escolha. Pegue um livro de um assunto que gosta e mesmo mal escrito será bom, pegue um livro de um assunto que não lhe interessa, e seja forçado a ler, e mesmo escrito por um mestre será um pânico; não existem universalidades, só liberdade. E é assim na república de livros, liberdade para descobrir seus gostos, liberdade para trilhar o seu caminho, e antes de tudo escolha consciente, a única fonte de iluminação do homem. E isto está em livros, veja Kant a mais de duzentos anos atrás.

Alfabetização como chave para o mundo dos livros, e livros como a porta de saída da ignorância. Mas não pense que todo livro é igual, ler é um aprendizado constante, progressivo, deve-se entender que existe escrita mais simples, para assuntos mais simples, e existe escrita mais complexa, para assuntos mais complexos, e não importa o livro, se o assunto não é de seu interesse pessoal, não importa quão bem ou mal escrito, quão simples ou complexo, o tal livro não vai lhe interessar, e não há pecado, não existem obras obrigatórias, o mundo dos livros é vasto e os caminhos são infinitos, para todas as pessoas diversas que caminham sobre a terra e que ainda irão caminhar.

Assim, qualquer literatura forçada é derrogatória ao prazer da leitura, ninguém pode obrigar um livro, mas podemos seduzir. Literatura forçada é pior que casamento arranjado, mas sedução, esta sim é garantia de união.

Pessoas alfabetizadas precisam treinar ler, desenvolver suas habilidades, e isto só acontece lendo, é uma jornada sem fim, quem abandona o caminho, deixa de lado a própria vida como humano, perde sua herança. E assim sem livros acessíveis, sem liberdade de escolha, não há leitura, muito menos literatura, nem humanidade. É preciso que as pessoas tenham acesso aos livros para que treinem a leitura, desde a idade mais nova; se não lerem, não praticam, não aprendem e permanecem semi-analfabetas; sem livros círculo vicioso, com livros virtuoso, e como para desfrutar da literatura é necessária liberdade, é preciso acesso a muitos livros para achar o que se deseja ler. A escassez monetária é limitante, era mais nos livros de papel, menor nos eletrônicos que podem ser replicados sem custo, lógico que o imposto é um empecilho, mas é a prova cabal da vergonha que mostra membros deste governo contra a educação. Embrulha-me o estômago só de pensar em como este governo do PT é mesquinho, mantendo os brasileiros ignorantes, em curral para animal, curral eleitoral, onde a única porta de saída, educação, está bloqueada!

A luta do iluminismo ainda não terminou, ou nem começou, e o caminho do esclarecimento está nos livros, lidos, experimentados, pensados com a própria cabeça e não engolidos e vomitados. É impressionante como encontraremos a mais pura ignorância disfarçada das mais variadas e nefastas ideologias, e mais assustador é ver como muitos ditos intelectuais são em realidade ignorantes funcionais que deixaram de pensar e raciocinar com a própria cabeça para recitar dogmas que não se deram o trabalho de elaborar com o próprio cérebro.

Escrever é meio, o que se escreve é fim, o assunto do qual queremos falar, a história que desejamos contar. Assim encontramos alguns casos: quem sabe escrever e tem algo a dizer, quem não sabe escrever e não tem nada a dizer, quem sabe escrever e não tem nada a dizer e quem não sabe escrever mas tem algo a dizer. E com um pouco mais de variação todos os livros caem nestas categorias. Em teoria o melhor livro obviamente é de quem sabe escrever e tem algo a dizer, mas não é o que se pensa hoje em dia, há uma virulenta falta de objetividade nos critérios para avaliar literatura, um pouco culpa de uma seqüência histórica ruim, outra parte da falta de senso que hoje persiste nesta seqüência ruim.

A grosso modo alguns dos chamados modernistas ainda olhavam para o passado, para a história, mas outra parte decidiu romper a linha e esquecer o passado, e foi tudo que sobrou no pós-modernismo, fim da arte, fim da vida. Uma maneira de libertar a arte foi ater-se exclusivamente à forma, e assim em nosso tempo a arte está livre, totalmente livre, do passado, da vida, da própria arte. E os pseudo-intelectuais andam por aí a propagar esta ideologia de morte, atendo-se à forma, à forma já estereotipada no passado modernista, e esquecendo que livros devem ter conteúdo, o fim para o qual se escrevia.

É preciso ter claro o caminho historicista que levou ao abismo, à morte da arte. A história é velha, o historicismo é novo; historiadores tem milhares de anos, historicismo poucas centenas. É preciso notar o quanto de ideologia e inutilidade vem embutido no historicismo, e quando uma ferramenta, um meio, por ignorância vira fim. Grande parte da culpa está na visão hegeliana que lambuzou o maxismo, e o subseqüente marxismo empesteou quase toda dita “ciência” social. O relativismo histórico hegeliano, infundiu-se na idéia boba da inevitabilidade do desfecho das doutrinas marxistas, e assim levou a esta cisma estúpida que emporcalha o pensamento moderno. Não que o pensamento de Hegel e Marx seja inútil, são importantes como todos dogmas passados, e assim como Aritóteles usado pela igreja de forma dogmática foi um mal, o uso dogmático do hegelianismo camuflado em Marx, deu origem a este historicismo que substitui a história, a ferramenta como fim e não como meio.

O abismo desta linha historicista foi bem desfrutado por Gertrude Stein, mas ela, ao contrário de muitos modernistas que esqueceram a história, conhecia o seu passado, experimentou até chegar ao abismo, a morte da escrita no momento que aboliu o tempo, a relação causal da escrita, nada sobrou, ser estéril que não logra deixar descendentes de tão mutilado, fim de uma linhagem. O incrível é como hoje em dia ainda insistem que todos os caminhos da literatura devem levar ao abismo, a intensidade da vida alardeada por Baudelaire, é mais desfrutada se com a consciência preconizada por Kant, não há vida intensa sem ser consciente para perceber, entender e desfrutar dos sabores e gostos superlativos.

Literatura como arte, como fim último da escrita e leitura precisa desvencilhar-se de seu passado niilista, entender de onde vem seus genes, e saber que sem eles nada há. O ineditismo narrativo tem cobrado preço alto da literatura, e vimos o fim no trabalho de Miss Stein. Construir máquinas narrativas inéditas acaba virando um clichê que repele o conteúdo, prioriza a forma, e de certa maneira perde o objetivo da escrita, como a comida que levou muito sal, passa do ponto. Podemos ver bem este dilema na obra de Joyce que culmina com Ulysses e declina abruptamente em Finnegans Wake, que perde o apelo ao leitor normal e só cativa a quem estuda literatura pura ou aprecia apenas arte narrativa. É preciso entender que escrever ainda é um meio de comunicação e quando deixa de comunicar, perdeu sua função, há que existir um equilíbrio, um balanço, e é neste equilíbrio que encontra-se a arte última, ou apenas arte. Qualquer artífice escreve, e se dotado de grande habilidade, produz arte. A exclusiva prioridade da forma pura já mostrou sua infertilidade, cabe a seus ideólogos perceberem que trilham o caminho de morte e mudar a rota.

Às vezes não percebemos como alfabetização, educação, leitura, literatura e arte estão completamente intrincados, compartimentalizamos o conhecimento em vasos estanques e impermeáveis que fermentaram seu próprio miasma, longe da exuberância da vida que permeia toda a obra humana, o diagnóstico último da patologia vem quando somos presenteados com ferramentas de imensa capacidade e ficamos impotentes, é assim com a internet e o e-reader, se um dia a prensa de Gutenberg nos permitiu sair de uma escuridão de mil anos, precisamos novamente achar a luz do iluminismo, e não deixar-se de forma passiva cair novamente na escuridão da ignorância. As ferramentas estão disponíveis, só nos resta usar, criar, ousar, desafiar, e só assim teremos a intensidade da vida almejada pro Baudelaire, sem mentiras, sem porres homéricos, mas plena. Se há algo que sabemos é que esta vida não veio com manual de instruções, e é nossa obrigação e prazer usa-la da melhor forma possível, afinal, quando acabar-se, aí sim nada teremos. Vivemos pois a vida merece, não desperdicemos o legado, e aproveitemos da sabedoria e cultura de nossos antepassados para viver mais, com maior intensidade, plenitude e consciência, e é nos livros que se encontram estes legados, nos permite viver e deixar a outros nossa contribuição, para que do que tivemos, eles tenham mais, por isso o passado é importante, a história e sua compreensão, o fim da história é o fim da vida.

Leia, aprenda, desfrute, divirta-se e viva.

Alex

Argumentação e lógica

Do passado de nossa civilização herdamos uma linha histórica, um discurso e uma lógica, é a argumentação que tem evoluído a humanidade, guiada pela lógica, manifestação da causalidade. Nos antigos escritos gregos já se encontrava a semente: filosofia, fruto da argumentação e lógica em busca da verdade. Verdade mutante, paradigmática se usarmos um conceito moderno, difícil em sua acepção, concepção e aceitação.

A lógica causal entra em choque com todo sistema místico, e mesmo hoje, era da ciência, muitos lutam contra a lógica, sem bons argumentos, os mesmos dos sofistas de milhares de anos, uns de má intenção, outros apenas a justificar as crenças místicas irracionais. Mas a verdade é que a lógica é poderosa, e assim tem sido sua filha a ciência; fruto da argumentação constante e da adoção do melhor paradigma, o mais lógico.

A ferramenta da lógica é o debate, a argumentação, sem eles não há desafio, a hipótese deve ser colocada à prova, sem isto não prospera e não avança, mesmo que morra para dar lugar a idéias melhores, mais fortes, que tem mais lógica. E assim se avança o paradigma, nossa verdade temporária, “vero” enquanto viva e aceitando desafios.

Foi nas antigas BBSs que vislumbrei uma ferramenta poderosíssima de argumentação e lógica, fazendo com que os debates possam ser democratizados e acessíveis a todos. A ciência nada mais é que um longo debate, participar, mesmo que apenas como observador, é um processo de aprendizado, o mais valioso, e se achar que tem argumentos bons para compartilhar da discussão, é só apresenta-los, deixar a passividade e passar a ser um colaborador ativo no processo de caminhar em direção à verdade.

A palavra verdade tem sido prostituída e soa melhor na boca dos fanáticos religiosos do que do argumentador lógico, pois não há uma verdade única, apenas uma paradigmática, e devem ser confrontadas com a lógica para que fique apenas uma, o paradigma corrente, a verdade corrente, transitória, mas necessária para o avanço do pensamento. Desde os tempos antigos o relativismo se interpõe contra a verdade, e no momento que ele sucede em evitar o conflito, sem argumentação, é quando a busca para. Se a busca tem um fim, não sabemos, mas o caminho tem se provado frutífero, e se o relativismo traz a dúvida do fim, podemos nos apoiar nas glórias do caminho, estas insofismáveis.

As listas de discussão das antigas BBSs eram poderosas, se usadas pelas pessoas certas, da maneira correta; como toda ferramenta, pode ser bem ou má utilizada, mas nas regras antigas por conta da falta de espaço em servidores, divisou-se normas de debate para evitar a inutilidade e a impertinência, que podem acabar com a contenda. Só deveria postar quem tivesse bom argumento para contribuir com o tópico, todo o resto era considerado inutilidade que iria pesar no servidor de forma inútil, desta maneira, os debates podiam ficar limpos das impertinências improdutivas, aos moderadores era dado o poder de fazer cumprir as regras, deletando e advertindo os usuários que não se comportassem dentro do acordo.

Das BBSs surgiu a internet, mais abrangente, com mais pessoas que poderiam interagir, o espaço antes limitante tornou-se abundante, e as inutilidades tomaram conta, com gente gastando “posts” com comentários inócuos ou inúteis que atrapalham o bom andamento de uma discussão, coisas do tipo “valeu!” “Gostei” ou “concordo contigo”, que nada contribuem em proposições no debate, começaram a abundar, a tal ponto de solaparem o próprio debate.

Existe uma particularidade no debate escrito que nos antigos orais não existia, a possibilidade de ler e reler os argumentos anteriores e os submeter ao mais rígido escrutínio, assim, muitas das técnicas dialéticas desenvolvidas para ganhar um debate sem lógica, usando de truques, perdem validade no meio escrito. Isso só vem a bem.

Da antiguidade a argumentação vem como modalidade literária na forma da filosofia, mas quando a ciência tomou para si o uso metódico da lógica através do método científico, como forma de dirimir as dúvidas, sobrou à filosofia apenas o campo infrutífero da metafísica das idéias, que não podem ser provadas ou desaprovadas, um exercício mental de conceitos órfãos, e sem lógica; perdeu todo seu poder e pode ser confundida com todo discurso banal e inútil.

Não que a ciência tenha saído incólume de sua separação com a filosofia, tornou-se cada vez mais técnica, míope, olhando apenas para o pouco que a visão fraca alcança, seccionando áreas do conhecimento em pedaços inúteis e estéreis sem o entendimento do todo. Ganhou uma técnica poderosa, mas por tornar-se exclusivamente técnica, perdeu a inspiração, a visão maior, sem o qual partes sem o todo perdem sentido. Há de se especificar que técnica não é ciência nem lógica, apenas hábito, procedimento repetitivo que não desafia os velhos dogmas ou nem preocupa-se em conhece-los. É preciso pensamento crítico, conhecimento e visão do todo para questionar, desafiar o conhecido e aventurar-se no desconhecido.

A internet e suas listas de discussões são ferramenta poderosa, hoje na forma dos fóruns, debates que estremecem a terra podem ocorrer, mas nada acontece. O que passa? Será que as pessoas querem tanto assim procurar a verdade? Para a maioria diria que não, contentam-se em forragear como todo animal irracional, mas e o cientista, o acadêmico, não deveriam estes, por força de seu ofício buscarem a verdade e o esclarecimento do povo, uma vez que a maioria das universidades é financiada por dinheiro público? Que desculpas dão para acovardarem-se perante o contraditório que fará prosperar a verdade que dizem procurar? Quer a realidade? A maioria dos ditos cientistas e acadêmicos é tão medíocre como a população em geral e os animais, preocupados apenas em forragear, defender seus feudos, manter o seu salário, comer e dormir até que a morte os colha. Existem os competitivos eméritos, mas a realidade é que buscam mais a ascensão social do que a verdade, e depois de comerem e dormirem sobre seus tronos de ego, podem descansar em suas lápides de mármore, colhidos pela mesma morte de animais e humanos, devorados pelos mesmos vermes, juntos no mesmo pó.

A cauda balança o cachorro ou o cachorro balança a cauda, é vivo o debate de quanto a internet tem mudado a sociedade, mas como no caso do cachorro, seria isto verdade? A internet é apenas uma ferramenta, pode mudar o mundo, mas não determina o uso que fazem dela e em realidade muito pouco tem mudado, o que aparece são comportamentos antes invisíveis que na internet ganham palco. Esta poderosa ferramenta depende do uso que fazem dela, o melhor ou o pior, o elevado ou baixo. E a falta de debate aberto é apenas uma destas patologias, que já existiam, mas não eram diagnosticadas.

Fez-se até uma “ciência” deste não debate, as chamadas ciências sociais, que de ciência não tem absolutamente nada, uma vez que suas hipóteses não podem ser provadas ou desaprovadas, é um campo inteiro de debate inútil, um engodo, cachorros perseguindo o próprio rabo. Como algo que intitula-se ciência pode fugir como capeta da missa ao se falar em lógica? Como ainda justificam o relativismo dos sofistas ou as boçalidades de Hegel? Só há uma explicação, verdade mística ou ideologia barata e acéfala, ambos tentativas de velar a realidade, nunca a buscar, e assim não crescer e viver girando no mesmo lugar, gravitando uma massa de mentira.

É incrível como hoje na era tecnológica da internet, a lógica parece tão intimidadora e os debates baseados nela escassos, a realidade é que a lógica e a ciência que é a busca por mais lógica sempre foram intimidadoras, uma vez que são argumentos poderosos, os mais poderosos, mas só podem servir-se deles os que questionam, desafiam, caso contrário um argumento que não pode ser desafiado torna-se dogma e perde toda a sua utilidade e função como pedra no caminho da verdade. Somente as mentes questionadoras apreciam a lógica e o melhor argumento, pois é ele que nos permite descansar de nossas dúvidas, e sabemos que se adotarmos um argumento sem mais o questionar, criamos um dogma, algo que não é capaz de silenciar as dúvidas, pois não pode ser questionado e colocado em confronto, a dúvida precisa de respostas para acalmar-se e as melhores respostas vem com a lógica, até acharmos uma melhor lógica o argumento fica como verdade calmante para que encontremos uma forma mais lógica de o desafiar.

É incrível como as pessoas gostam da subjetividade e fogem de qualquer objetividade que possa gerar conflitos verdadeiros e produtivos, basta ver como a estúpida pseudo-doutrina de Heráclito ou seus discípulos mantém-se ativa, ferrugem para engripar as engrenagens do cérebro. Vejam como o simples questionamento coloca abaixo o “tudo flui” no homem que atravessa o rio, diz Heráclito ou seus discípulos: “o mesmo homem não pode atravessar o mesmo rio, porque o homem de ontem não é o mesmo homem, nem o rio de ontem é o mesmo de hoje”. Que grande bobagem! Nega o princípio básico da lógica que é a causalidade, o homem de ontem, apensar de não ser o homem de hoje em todos os aspectos, tem relação causal com o anterior, é o mesmo homem na linha da causalidade, com o mesmo nome, com a mesma história acrescida de um dia; e o rio, apesar de não ter as mesmas águas que já escorreram, ainda corre no mesmo leito, é o mesmo rio por definição e relação causal, assim, o tudo flui desconsidera todas as relações causais que são a fonte da lógica, o verdadeiro fenômeno ao qual devemos nossa existência. É um axioma relativista, como a flecha de Zenão que não pretende solução, uma vez que como no exemplo anterior o enunciado desconsidera a natureza do fenômeno movimento.

Os boçais gostam de falar a todo momento de “estranhamento” e “desassossego”, como características fundamentais em uma obra, mas em realidade, encarar as coisas de forma objetiva, com questões reais e não subjetivas que inviabilizam confronto é o verdadeiro estranhamento, incômodo, pois é nesta subjetividade relativizante que dorme confortável o medíocre incompetente com medo do confronto de argumentos que o “desassossegue”. Pode-se correr o risco de perder o solo pantanoso onde pisa, sem nunca querer o “estranhamento” do solo firme que desminta suas crendices pueris.

Hoje a internet permite a argumentação com alcance global, mas veja o que temos, não é fruto da ferramenta, mas a evidencia do comportamento que já existia. Poucos prezam a argumentação lógica, mas não podem admitir, por isso preferem o conforto do relativismo mediocrizante e estático. Se a história nos mostra algo, é que a lógica prevalece, e lógica nada mais é do que o entendimento da causalidade em toda sua extensão. Se quer achar a verdade resista ao relativismo e à falácia, só assim encontrará a verdade em si mesmo.

Alex

A Fronteira entre Autor e Leitor

Nos melhores textos de ficção o autor nos envolve com tal maestria que a fronteira entre livro e leitor deixa de existir, e assim a leitura torna-se uma experiência muitíssimo mais intensa que qualquer filme, por isso, quem gosta de ler sempre prefere os livros.

Na leitura recreativa o desvanecimento da fronteira é bem vindo, mas ao efetuar uma leitura técnica é preciso estar consciente da linha divisória, pois pode-se incorrer em diversos erros, entender o que o escritor não quis dizer, projetar seus próprios pensamentos sobre o livro, ou deixar o autor entrar em sua cabeça sem que perceba. Ler um livro e ter idéias, ser inspirado, viajar, é muito bom, o livro permite esta interação, pois pode parar de ler e retomar em qualquer tempo e embarcar em divagações do pensamento, mas é preciso delimitar de quem é cada pensamento, para corretamente apropriar-se do que é sua idéia e o que é do autor.

O escritor colocou palavras no livro de forma definitiva, e é sobre estas palavras que devemos entender o texto, já vi muita gente dita “literata” não apoiar-se nas palavras do texto ao fazer uma interpretação, desconsiderando e nem lendo o sentido literal, de modo que a interpretação errônea com uma única escolha do autor presente no texto desvanece, mas a quem interpreta errado, parece cego, pois não viu o óbvio escrito no texto. O texto tem importância, e se assim não fosse, sentaríamos com uma página em branco e a estória descortinar-se-ia à nossa frente. A diferença entre escrever e ler, é que ao ler deixo que outra cabeça me maravilhe; ao escrever, o trabalho é só meu.

Qual o maior perigo ao se borrar a fronteira em uma leitura técnica? É projetar o que o texto não é, sem isenção, sem entendimento, incapaz de fazer um julgamento livre que veja o texto pelo mérito que tem e não por fatores externos. A propaganda tenta colar valores em produtos que não estão lá, aquela água preta com essência e açúcar é apenas isso, mas veja quanto “valor” que não existe, a propaganda cola nela, o público em geral aceita esses valores falsos sem pensar; mas o mesmo não pode acontecer com o leitor consciente ao ler de forma técnica um texto, e a única maneira é ater-se à palavra escrita.

O maior erro do leitor ruim é ler de forma diferente um autor famoso, dando-lhe predicados superlativos que não se ancoram no texto e falhar em ver o mérito de qualquer texto desconhecido. O pior é não conseguir ver a mecânica por trás do texto de cada autor, todo bom escritor ancora-se em truques simples para o efeito do seu texto e se você souber ler vai conseguir ver e entender o que realmente torna um estilo efetivo.

Se você souber fazer uma boa leitura analítica vai poder aprender muito sobre escrita ao ler o texto dos grandes autores, lembre de ater-se às palavras, elas estão lá por um motivo, deixe que o autor diga o que escreveu, evite projetar-se no texto; garanto que ler de forma consciente vai ser sua melhor arma na hora de escrever.

Alex

Dica de Escrita #6: Clichê Literário

Com a frase: “A marquesa saiu às cinco horas” Cortázar inicia seu livro “Os Prêmios”, a passagem ficou cunhada na história da literatura por um comentário de Valéry, que disse ser incapaz de escrever uma frase tão comum como esta. Dos começos vulgares de romance, o cunhado por Valéry virou paradigma, é o mais vulgar, mais estigmatizado e mal interpretado. Alguns acharam que o ineditismo é o valor máximo da criação literária, outros viram o absurdo da afirmação, se a marquesa sai às cinco horas, ela saiu às cinco horas, se José sai às sete horas para trabalhar, ele irá sair às sete horas toda semana de segunda a sábado, é a sua rotina, é parte da vida.

Esta obsessão com o novo foi marca dos críticos do romance, e de certa maneira acéfala passou incólume até a literatura pós-moderna; um preconceito, um chavão que é engolido e repetido sem pensamento, sem elaboração por parte do escritor. Os modernistas jogaram as últimas pás de terra no enterro da retórica, que hoje virou sinônimo de afetação vazia, uma vez que definia regras para afirmar o que era ou não um bom texto, as mesmas regras dos “manuais de redação e estilo”. Qualquer manual que defina um estilo, assim como qualquer escritor que copie o estilo de outro, é por definição falta de estilo. Muitas destas regras são seguidas, sem que o escritor entenda ou elabore o motivo de sua existência, desta maneira muitos autores não entendem o efeito da repetição de uma mesma palavra, pois a regra diz para evitar tais repetições; uma palavra dobrada, independente do contexto, enfatiza tal palavra, criando uma significação mais forte, mais enfática, quando acidental, acentua pontos indesejáveis como a repetição acima; mas ao outro lado a repetição é inestimável quando o autor quer enfatizar a palavra ou faze-la ecoar no texto incorporando os significados ou predicados a ela atribuídos. O uso da regra sem conhecer seus fundamentos deixa o escritor manco, privado de um recurso extremamente poderoso. Existem mais destas regras, que se não pensadas e entendidas, apenas seguidas, privam o escritor da elaboração intelectual necessária à formação de um estilo.

Em suas micro teses sobre o conto Piglia toma como base uma frase escrita por Chekov em um livro de apontamentos: “Um homem, em Montecarlo, vai ao Cassino, ganha um milhão, volta para casa e se suicida”, postula que a forma clássica do conto encontra-se nesta chamada, pois encerra duas estórias: ir ao cassino e ganhar (a estória evidente) e o suicídio (a estória secreta). Se Chekov tivesse escrito: “Uma homem, em Montecarlo, vai ao cassino, ganha um milhão, volta para casa e comemora”, aqui não teríamos matéria de conto, pois o corte, a tensão inesperada do final não existiria. Pode até ser interessante, mas esta necessidade do tal corte, acaba sendo um clichê literário: para ser considerado literário um texto deve ter estas incongruências, a ponto desta incoerência tornar-se central no texto, deixando de lado toda outra elaboração intelectual por parte do autor.

A incoerência é um recurso simples para um autor passar-se por literato, o chavão é execrado em toda literatura pelos eruditos, falham em perceber que a aberração dos textos é chavão mais comum do que a escrita estereotipada dos escritos paternalistas de auto-ajuda; inferior até à literatura de puro entretenimento, que teve o trabalho de elaborar uma coerência narrativa, por mais pobre que seja o linguajar do escritor.

Há uma confusão entre arte e literatura, impingindo à segunda estereótipos da primeira. Arte é uma palavrinha difícil, cheia de misticismos inúteis, e este pensamento supersticioso acaba impregnando a literatura. Até hoje a melhor definição que encontrei para arte é: significar alta habilidade artesã, ou um ideal estético elevado, também alcançado na artesania, e esta é a palavra que melhor define a escrita, manufaturada, mas nem tudo que é artesanal é bem feito, é preciso habilidade; e mais do que isto, é necessário pensar o uso das ferramentas para montar a sua própria “máquina narrativa”, será a invenção do autor, vai representar seu ego, não voltado a si, mas à sua devoção pelo trabalho.

Arte como artesanato na busca de um ideal estético elevado, pode ser entendida na habilidade do autor de pensar seu ofício, juntar palavras de forma consciente. Dentro de sua máquina narrativa existem diversas peças, se algumas funcionam bem para o efeito final, não é necessário trocar, assim, há algo de ordinário, mas pensado. O texto incoerente como “mais artístico” é apenas um clichê menos artístico, uma opção não pensada para aparentar arte, sem a complicada elaboração necessária ao pensamento profundo, ou a busca estética elevada.

Cada época tem uma moda, a escrita banal condenada por Valéry nas novelas, é hoje a narrativa incoerente, aberta, sem sentido ou aleatória, a marquesa agora sai e suicida-se.

O autor assim como artista é caprichoso, usa a linguagem de forma única e particular e para isto deve provar o trabalho dos vários escritores. Só se aprende literatura lendo, apreciando os diversos recursos criados pelos múltiplos autores, a sua escrita é a elaboração particular de tudo que leu, seja a imitar ou contestar, mas conhecer os predecessores é fundamental, experimentar a escrita como se experimenta uma iguaria culinária, é um contato pessoal que não pode ser substituído, só lendo as obras é que se tem este contato. Não adianta ouvir falar de um livro ou um autor, deve-se experimentar com os próprios sentidos, e avaliar com a própria consciência, é este contato íntimo que expande a cultura literária, necessária ao autor na hora de colocar “mãos à obra” e artesanalmente elaborar os próprios textos.

O clichê vem de uma cópia sem elaboração de qualquer elemento textual, tenta parecer o que não foi incubado na escrita. Um bom jeito de evitar clichês é aprender a identificá-los nos livros que lê. Escrever é unir forma e função, os mestres conseguiram reunir estes elementos para formar um todo coeso, sempre que ver um elemento que não se encaixa, aparece forçado no meio de um texto, e principalmente: está na moda, soe o alarme, estará diante de um clichê.

Alex

Ficção, Idéia e Enredo

Ficção, estórias, realidade e fantasia são matérias primas básicas do escritor, mas o resultado final materializa-se no papel na forma de palavras organizadas, como o escultor que cinzela sua visão na rocha ou o pintor que deposita tintas na tela. Imaginação pura não é suficiente, é preciso afiar as ferramentas e ter controle do resultado, isto significa dominar a linguagem.

A palavra escrita é uma brincadeira de códigos, existem muitos diferentes espalhados pelo mundo com suas particularidades, diferentes ferramentas que vão influenciar no resultado final do autor. Sem querer entrar em complicações semiológicas, é preciso perceber que há a idéia, sua materialização escrita (ou intermediário), e o receptor, que é o leitor, quem recebe a mensagem. Para escrever é preciso conhecer o código, ler significa decodificar a mensagem, em algum nível a apropriação da linguagem é particular de cada pessoa, mas como há comunicação, existe algo necessariamente em comum entre emissor e receptor, e este algo em comum é a associação do código, a linguagem, com o mundo real, é esta associação que permite a decodificação universal da linguagem. A lógica do mundo real é que sustenta a semântica do código, sem esta associação não há possibilidade de compreensão comum de qualquer código.

Visto que o escritor não pode ter controle sobre a apropriação particular de cada um sobre a linguagem, ele só pode dispor de sua relação com o mundo real, e em sua afinidade particular com o código, aproxima-lo com a realidade para que se assemelhe a uma compreensão universal. Um bom escritor irá tentar através da escrita materializar sua ficção em uma realidade grafada, mas aí há um problema, ele estará limitado ao universo em que vive o leitor. A grosso modo, não posso comunicar-me em português com quem só domina o chinês, e em casos mais simples, não posso entrar no universo da física quântica com quem não domina o assunto ou sua “realidade” básica. Tome como exemplo este texto, ele não é simples, e a maioria das pessoas não vai entender, pois não é de um universo comum, apenas do universo de quem preocupa-se com escrita e linguagem.

Aqui entramos em um dilema comum a quem começa a apropriar-se da linguagem, se o escritor limitar-se à apropriação mediana da linguagem na população, seu repertório estará limitado a um coletivo comum e mediocrizante. Ao explorar a linguagem o autor caminha por terrenos onde a média não freqüenta, distanciando-o do grande público. Quando lemos um autor de ponta, somos obrigados a nos educar na sua maneira de escrever, seja Dickens, Poe, Fitzgerald, Sterne ou Machado, cada um obriga o leitor a ampliar seu universo lingüístico.

Se o bom escritor quiser fugir da média não escapa da sina de educar o leitor, há leitores abertos a tal jogo e outros não. Nos livros de auto-ajuda a linguagem é sempre paternalista, nunca há desafio, e se o autor usar de frases feitas, melhor, pois o leitor nem tem o trabalho de ler, pois já viu a frase milhares de vezes, é uma literatura de carícia ao ego, não pode desafiar o leitor, colocar obstáculos a serem vencidos para que cresça, assim, com esta bajulação cifras apreciáveis de venda são conseguidas. Há um tipo de leitor mais raro que deseja ser desafiado e crescer, mas mesmo este não está livre das armadilhas, ao desafiar um bom livro, há sempre o risco de ganhar ou perder, compreender ou não entender, ou ainda ter uma compreensão errada disfarçada de entendimento. Vou explicar: assim como o domínio completo da língua por parte do autor é impossível, pois significaria a compreensão completa do leitor, o mesmo é válido ao leitor, há sempre um nível de incompreensão que o leitor pode preencher com sua imaginação, esta imprecisão esta limitada pela habilidade do autor de materializar no texto sua intenção mesmo que de forma velada. No que o texto falha a imaginação do leitor impera e em seu extremo poderíamos ler páginas em branco, atividade do escritor. Um leitor muito crédulo encontrará significados onde não há, e um autor vigarista pode usar desta particularidade, escrevendo coisas sem sentido e deixando a interpretação por conta do leitor, uma espécie de teste de Rorschach onde o subconsciente projeta suas imagens. Tal armadilha é tentadora, pois materializa projeções do próprio leitor, inexistentes na intenção do autor, um tipo de texto que ajusta-se ao que o leitor quiser, abdicando da necessidade de compreensão textual e da relação autor leitor.

Se o autor escreve “carro” o leitor pode imaginar qualquer tipo de carro, mas se o autor diz: “um fusca verde, com a porta amassada, sem farol, com pneus carecas e vidro escurecido”, temos uma imagem muito mais precisa do tal carro. A cena na mente do autor é sempre mais detalhada do que é condensado no papel, cabe ao escritor escolher os elementos corretos para descrever e montar uma estória, cada palavra vai trazer uma imagem que será somada ao todo e funcionará em conjunto com todo texto. Muito particular de cada língua é o som de uma frase, o ritmo de um parágrafo, os sons também imprimem um efeito, na poesia é guia, na prosa escravo da compreensão do texto.

Há gente que advoga que há na escrita duas partes distintas, uma evidente e outra “secreta”, a “profundidade” do texto viria desta parte cifrada e isto seria obra dos bons autores, mas vamos pensar no contrário, seria fácil fazer um texto com um único e preciso significado? Certamente não, uma vez que o domínio absoluto da linguagem é impossível, pois significaria dominar a compreensão da linguagem do leitor.  Uma vez que o texto é apenas uma representação gráfica, é óbvio que seu significado só tem dimensão na mente de quem lê, assim o autor vai imprimindo no leitor com o uso das palavras idéias, de maneira mais ou menos precisa, mas nunca absoluta. Da matéria prima que existe na cabeça do escritor, a parte escrita é apenas uma pequena parte, mas a única visível pelo leitor, assim há uma grande parte da imaginação que não vai para a página, mas forma um todo do qual foi retirado partes.

Uma vez que não existe controle absoluto da linguagem, e a parte escrita é apenas pedaço de um universo imaginativo, sempre haverá uma segunda dimensão em um texto escrito. Aqui entramos em uma outra consideração, o enredo, que é a parte que liga a parte visível e subliminar do texto para coagular uma estória. Podemos ver como Chekhov é o mestre no seu enredo, interligando todas as partes de suas estórias em um todo.

Enredo não é a estória linear, é um todo que permeia a obra e só pode ser visto ao atingir o ponto final, pois ele compreende a integridade do texto. É engraçado como o enredo é a parte mais difícil para escritores e leitores, trabalhar o enredo por parte do autor e compreende-lo da parte do leitor. É um todo composto de todas as palavras, frases e parágrafos da obra, é a cola que junta tudo.

É engraçado como a falta de um enredo estraga completamente o que poderia ser uma boa estória, pois evidencia a falta de intenção ou planejamento do escritor. Com exemplos televisivos podemos mostrar isto bem, X Files e Lost, ambas séries com final estúpido que estraga todos os episódios anteriores, um blefe. Como já disse antes, é fácil capturar o leitor com o mistério, jogando elementos aleatórios e deixando que o leitor faça suas conexões, mas no momento das peças juntarem, não encaixam, aí fica evidente que não houve enredo, a farsa é desmascarada. Uma forma de não ser desmascarado é deixar o enredo em aberto, muito comum em escritores pós-modernos. É preciso cuidado para que um enredo aberto não seja apenas uma falta de enredo e nisto podemos voltar a nos referirmos a Checkov, mestre do enredo.

Uma bom enredo é um aspecto esquecido e desprezado nas estórias modernas, ao meu ver, fundamental para uma boa estória, é o ingrediente mais raro a encontrar de boa qualidade, mesmo em produções milionárias, a maioria dos enredos é paupérrima. O que o faz tão difícil e desafiador?

Alex

Literatura em Teoria e Prática

Li, sempre li, e nunca me preocupei com o que lia, seu pedigree ou sua importância no panorama literário, nem ao menos importava-me com quem veio antes ou depois, eram apenas livros, bons ou ruins, bem escritos ou mal escritos, foram compostos para serem lidos, puro desfrute, sem nenhuma outra intenção. Tirando algumas desventuras em créditos eletivos, nunca adentrei o mundo das teorias literárias, eis que depois de um tempo dei-me conta que havia um buraco na minha literatura, lia coisas velhas e muito velhas e dos poucos mais novos, nenhum brasileiro. Tal percepção aguçou-me a curiosidade e fui procurar na crítica de jornal o que seria digno do investimento, meia dúzia de livros depois senti-me enganado, ludibriado, não consegui gostar de nada além de achar a maioria dos livros muito mal escritos, comecei a questionar a validade da crítica que incensava tais obras e uma nova pergunta surgiu-me: o que é escrever bem contemporâneo? Parecia uma pergunta fácil, fui tirar a dúvida com alguns acadêmicos e não obtive uma resposta direta, muito menos a crítica podia ajudar-me.

Resolvi colocar mãos à obra e ver na prática o que os professores de escrita dizem: mais confusão, será que não consigo uma simples resposta para minha pergunta? Machado de Assis escreve bem, o mesmo posso dizer de Lima Barreto, mas o seu jeito ficou atrás no tempo e alguém que hoje os imitasse não seria considerado um bom escritor e ainda correria o sério risco de um pastiche caricato.

Apesar de parecer que toda a teoria literária vem de épocas imemoriais, ela é relativamente recente e em sua maioria segue linha historiográfica, agrupando autores segundo suas épocas e modismos. Ainda mais recente é a semiologia, mas acaba sendo auto-referente, preocupando-se em classificar um livro dentro dos próprios padrões artificiais que criaram, sem responder nenhuma questão fora de seu universo.

A linha historiográfica é simples e lógica, cria uma seqüência bastante inteligível do que seria a história da literatura e tenta por este prisma qualificar e classificar as obras, inserindo-as em sua linha temporal. Vista de longe é perfeita, explica tudo, mas quando você lê toma contato íntimo com as obras e passa enxergar o que os especialistas chamam “fraturas”, aquele todo coeso da teoria começa a rachar, evidenciando nas obras diferenças irreconciliáveis que as impede de serem agrupadas da maneira historicista sem que a classificação pareça forçada e sem sentido.

É óbvio que as pessoas de um mesmo tempo tem traços em comum, posso afirmar com toda certeza que Dickens nem nenhum de seus contemporâneos viajou em um avião a jato, não esquentaram comida no micro-ondas, nem navegaram na internet; são pontos em comum, mas nada explicam a obra do autor, absolutamente única. Dickens é fruto de seu tempo assim como todos os outros nascidos em datas semelhantes, e portanto carregam afinidades que vão aparecer em suas obras, mas se algo faz de “ A Tale of Two Cities” uma obra especial, não é o que tem de comum com o seu tempo, mas o que tem de diferente, de mágico, de sublime na habilidade e imaginação do escritor.

Talvez a historiografia explique todos os autores medíocres, pois seu método medianiza os escritores, mas perde o essencial ao tentar classificar os notáveis. Ao ler uma obra percebemos tudo que a classificação historiográfica deixou de entender, podemos mergulhar nas minúcias detalhadas e únicas criadas pelos grandes escritores.

Desta maneira, não importa o quão versado você seja em teoria literária, literatura em seu cerne é coisa prática e só podemos entender tomando contato direto com a obra de um autor. Acontece que como tudo na vida, de todos os livros que lemos, esquecemos muitos, assim como esquecemos passagens de nosso cotidiano, mas de alguma maneira uma experiência mais profunda fica da vivência de uma obra. Ao ler o livro o autor cria em ti uma impressão e esta é indelével, lembro que quando assisti ao filme do “Senhor dos Anéis”, mais de uma dezena de anos após ler a obra, à parte o que foi mudado, muitas cenas nem lembrava, e foi um dos livros que mais gostei de ler. Raramente releio um livro, prefiro novas aventuras aos trilhos já caminhados, atualmente com a facilidade do e-reader reli algumas obras no original; não passaria na minha cabeça ter duas versões do mesmo livro que já li em português, mas o e-reader tornou o processo sem custo nas obras de domínio público, e mais barata em alguns não tão velhos. Dickens é um que no original é muitíssimo melhor que a tradução, até parece outro livro, é outro contato com a obra, sem intermediários, mais puro e exponencialmente mais intenso; em inglês é um grande escritor a olhos vistos, traduzido é muito menor.

Nestas andanças minha visão começou a clarear e obtive respostas às minhas perguntas, respostas que a mim parecem práticas. Por que não leio antigos e contemporâneos na mesma proporção? Aqui a resposta é muito simples, o que existe na literatura em quinhentos anos é muito mais do que esta janela de cinqüenta anos, e muito mais se compararmos o mundo com o que é produzido apenas no Brasil, assim, ler escritores brasileiros em demasia seria de uma miopia policarpista extrema. Não há de se ter preconceitos em literatura, além disto, pensem em uma data, quantos livros memoráveis associados a ela? Não muitos? Ou nenhum? Desta maneira, mesmo livros laureados com prêmios anuais, são mera titica, perto do conjunto da literatura mundial em todos os tempos. Por que devo dar-me ao trabalho de ler porcaria quando tenho uma grande quantidade de tesouros ainda a ler?

A segunda pergunta do que é escrever bem contemporâneo, é um pouco mais complicada, pois não existe um escrever contemporâneo; escrever bem é escrever bem em qualquer época, tem a ver com a habilidade do autor de usar a linguagem para causar um efeito no leitor, cada grande autor usou sua língua de maneira diferente, assim escrever bem é ser efetivo com a linguagem no que se pretende dizer. Copiar grandes escritores não é escrever bem, deve-se criar seu jeito, um que expresse da melhor maneira o que pretende dizer.

Não importa quão bem escrito seja um livro, se ele não tratar de assuntos de seu interesse, não irá gostar, só os interessados em literatura pura gostam de bons autores que nada tem a dizer. Literatura, na simplicidade da relação autor e leitor é apenas desfrute, e precisa ser experimentada “in natura”, não há teoria que substitua a prática; às vezes a teoria pode suscitar discussões interessantes, mas sem o contato direto e íntimo com as obras, é material inútil. O fundamental a saber de literatura é: Leia! Apenas leia, não se deixe intimidar por textos difíceis, enfrente-os, e não se deixe cair nas armadilhas dos vigaristas, tenha um contado direto com o livro, não se deixe enganar, é a sua experiência que conta.

Alex